
O texto que aqui se prefacia é uma grande obra filosófica acerca das coisas especificamente humanas. É escrito em diálogo, profundo e permanente, com o pensamento de Aristóteles. Se o pretexto são textos do fundador do Liceu, a bela síntese filosófica com que nos deparamos pertence a António Amaral.
Com fina inteligência e rara originalidade, de um ponto de vista indisfarçavelmente ontológico, os temas abordados encontram sempre no pensamento e na pena do estudioso um toque que reconduz a variegada intuição do discípulo de Platão a uma radicalidade segundo o ser e o acto, que põe este como correlato de uma inteligência multímoda, que sente, experiencia, pensa, diz e age fazendo.
O modo como António Amaral concebe o âmago ontológico do agir humano – há, porventura, realmente outro? – como um agir que é um fazer, numa inteligente e pertinente poiética da acção, uma acção como poiética, um poietikon-prakton, permite reler a filosofia prática de Aristóteles não já como estabelecedora de uma dicotomia entre praxis e poiesis, mas como uma humanamente entranhada sabedoria indistinguível de um sentido poético da acção, em que o princípio motor desta não sai alienado, mas em que de cada acto resulta um poiema, um poema onto-prático-pragmático, em que há sempre uma necessária relação entre esse que age e isso que de tal acção resulta e que não é ontologicamente redutível ao agente. Como se poderia, aliás, pensar a polis de outro modo, sem recorrer a uma relação mágica entre a intransitabilidade da acção e a aparição do efeito poiético da mesma?
Este efeito poiético é, precisamente, a polis, na sua imensa e intricada complexidade. A poiética da acção constitui, assim, a carne de que a pura prática é o espírito.
A realidade do acto humano, não já apenas como coisa ética e política, mas como coisa total, ontológica, portanto, revela-se como indissociável auto-produção em que se coaduna às dimensões puramente naturais do humano, sobre estas e sempre com estas, a dimensão poética de uma acção que ocorre por decisão propriamente deliberada.
Falta o que se pode designar como dimensão narrativa que possa unir o que, sem ela, não é mais do que um atomismo decisional. Será o eco da palavra política própria e alheia que serve de cola narrativa, de possibilitador de continuidade ao humano?
