Neste ensaio, André Dias mostra os muitos pontos de contato entre a forma da escrita em Diário Do Hospício, de Lima Barreto, e Memórias Do Subsolo, de Dostoiévski, mas mostra, principalmente, a grande dimensão humana e filosófica que se irradia dessas duas obras, seu forte poder de questionamento de estruturas socioculturais, ideológicas e científicas arraigadas e excludentes.
Ao combinar o enfoque comparado com a teoria de Bakhtin na análise de Lima Barreto, pondo sua obra em diálogo com Dostoiévski, André dá uma nova dimensão ao criador de Policarpo Quaresma e o projeta a um merecido patamar de escritor universal. Isto é um dos pontos altos de seu trabalho, o que por si só justifica a sua tese.
André Dias debruçou-se sobre Lima Barreto e Dostoiévski, disposto a remexer nas entranhas dos dois autores, para captar-lhes, não a estrutura ou a forma – tão a gosto da academia dos contentes! –, mas as vertentes ideológicas, os valores que presidiram a construção de tais discursos, entendidos como uma versão possível daquilo que tão a gosto costumam chamar de real.
Mostra, demonstra, teima em afirmar que os discursos da literatura constituem sempre uma versão, uma interpretação do mundo em que vivemos, já que não se filia a um positivismo satisfeito de si mesmo, que acredita que o real é evidente e só comporta uma verdade possível. Ao contrário, os autores que estuda – e ele demonstra isso à saciedade! – nos oferecem outra verdade, diferente daquela dominante e aceita pelos conformados e satisfeitos com a ordem reinante.
Mostram o avesso do avesso desse mundinho medíocre que se sustenta sobre a aceitação passiva, pela maioria dos contentes, de uma interpretação do mundo que só convém aos que fazem três refeições por dia, têm onde morar, têm o que vestir e podem desfrutar dos produtos de uma cultura que, em geral, não os provoca nem os faz pensar e refletir sobre a maioria de despossuídos.
Estes, que mal comem, mal vestem, moram mal – quando moram! – e estão afastados de uma produção cultural capaz de conduzi-los a uma tomada de consciência de sua própria situação e à conseqüente atitude de revolta contra um mundo que os asfixia e debilita, através de uma escalavrada exploração de sua força de trabalho.