
Águas: Moradas De Memórias é mais uma travessia de estudos realizados sobre autoria negro-feminina. Águas bravias e calmas adquirem, neste livro, relevância e constituem imagens que suscitam e agregam sentidos, memórias e sentimentos em palavras poéticas de algumas autoras negras brasileiras e africanas de países em língua portuguesa.
Esses eixos temáticos mostram-se como guardadores de memórias em suas dicções literárias e as águas naturais apresentam-se culturalizadas, pois oceanos e rios são cantados com traços marcados e simbolizados por múltiplas memórias, territorialidades, identitárias e ancestralidades.
Assim, as poetas se apropriam da força pujante e vigorosa das águas de modo diferenciador e até transgressor de discursos literários da época das grandes navegações por terras ocupadas e usurpadas, atribuindo-lhes outras signifi cações e conferindo novos sentidos, atravessamentos e ressonâncias.
Águas: Moradas De Memórias não permanece apenas nas zonas de convergências entre Brasil e África: Ana Rita Santiago demonstra também as relações não-homológicas entre as poesias de autoras que, apesar de estarem reunidas, são capazes de contribuir diferentemente para a ilustração de um outro imaginário que seja capaz de reavaliar os sentidos e as práticas simbólicas vigentes. Nesse sentido, verifica-se a capacidade que o presente volume tem de também articular diferenças e ausências de concordâncias.
Assim, podemos dizer que este terceiro livro de Ana Rita Santiago aprofunda – como mergulho em mar aberto – uma investigação minuciosa que não apenas continua a obra anterior como promove a partilha de um saber discursivo, porque poético, na medida em que se propõe a deslindar com rigor analítico e larga estruturação teórica multidisciplinar a leitura que faz das variantes temáticas da água na poesia de autoras que, quase sempre, caminham à margem do cânone, naquilo que a escritora portuguesa Maria Gabriela Llansol: o litoral do mundo, lugar que, apesar de estar afastado do centro, funciona como rota alternativa, na qual o vento bate e o ar não é rarefeito.
Caminhantes do litoral, as poetas negras iluminam o texto da ensaísta com seus poemas. A mancha tipográfica da água guia o texto e a poesia, mais uma vez, resiste, através da obstinada e forte leitura de Ana Rita Santiago, a partir do trabalho poético dessas mulheres negras que não resistiram ao canto das sereias.
