Em pouco mais de 70 páginas, Quero Minha Mãe traz na linguagem de Adélia, a narrativa cotidiana e do inconsciente de Olímpia, uma mulher que vivencia o drama da descoberta de um câncer e partilha isso com o mundo à sua volta. Quero Minha Mãe é uma obra da estatura de Adélia.
Traz a força com que a autora navega em águas tranquilas na literatura brasileira, num estilo próprio de encantamento que cativa sua legião de leitores.
O universo feminino e interiorano com uma aura de religiosidade alegre, desvelando aqui e ali um quê da travessura de pequenos pecados indeléveis ao humano, tudo isso construído com um arcabouço inventivo no uso da palavra escrita.
A prosa poética da divinopolitana está afiada em frases como: “Em alguns momentos somos reais”; ou, “Guardo sabedorias no almoxarifado”. São palavras de Olímpia, a protagonista que primeiro gargalha sozinha pela estupefação do inimaginável de ser vítima de uma doença grave.
Depois sente a necessidade de dividir isso com as pessoas e nesse caminho rememora a presença da mãe, morta no leito de casa, após lenta enfermidade.
O que parece caminhar para uma história melancólica se sobrepuja na personalidade de Olímpia, mulher que faz de seu cotidiano, alimento que carrega suavemente o leitor (“A alegria de quando ganhei a Singer dá a medida de meu projeto doméstico. Passava o dia na máquina, eu, de quem Martina vaticinava: quando casar, seu marido vai comer livro. Detestava me ver “passando folha”, queria me ver passando vassoura. Pois fui e sou boa dona de casa, dava e dou notícia de gasto de óleo e sabão.”).
Mesmo o percurso para uma cirurgia incerta, é permeado por um discurso nada ensimesmado (“Ivonete teve muita pena de me ver arrumando a mala para o hospital, confusa com a turbulência na rotina da casa: olha aqui, dona Olímpia, fiz maria-mole pra senhora (…). Graça ria e eu parecia normalíssima”).