
Vidas Nuas surge do compromisso ético-estético-político em defesa da vida e do campo da Saúde Coletiva. É fruto dos arranjos de trabalho experienciados pelos autores na saúde pública brasileira, que passa pela atuação na assistência, gestão, ensino e pesquisa em serviços voltados à produção do cuidado a pessoas com HIV, além de uma longa trajetória de investigações sobre gênero e violências. É daí que surge a potência para o livro, em uma escrita cuidadosa e comprometida em denunciar as situações vivenciadas por mulheres que possuem uma doença “maldita”, carregada de estigma e preconceito.
Pretendemos visibilizar como se constituíram as trajetórias de mulheres que vivem com aids e como foram vulnerabilizadas ao longo da vida. Para isso, reacendemos a arte de ouvir narrativas, embora Walter Benjamim tenha apontado a degradação da arte de contar histórias nas sociedades atuais. As velhas profissões artesanais que produziam contadores de histórias desapareceram: o marujo, que saía pelo mundo e voltava contando suas peripécias; ou o artesão, que possuía a experiência exemplar para ser narrada, foram exterminadas pela nova organização da sociedade. Já não há mais cantos de trabalho.
Cantigas registradas pelos neo-realistas italianos, em filmes como Arroz Amargo e Strômboli, onde presenciamos pessoas comuns que dão significado ao trabalho estafante por meio de canções. Já não há mais a concatenação dos três elementos: alma, olhos e mãos, essenciais para o contar histórias. E nem há tempo para ouvir em um mundo acelerado, onde não temos tempo nem para esperar as nossas almas.
Vidas Nuas divide-se em duas partes, uma primeira que contempla os aportes teóricos, o percurso metodológico e a descrição do cenário sociocultural do município onde foi realizado o estudo. Na segunda parte do livro, são apresentadas as narrativas acerca das trajetórias de vida das mulheres, construídas através de histórias contadas e do imaginário dos autores.
Todas as narrativas foram amplamente analisadas, tecendo uma discussão crítica dos principais achados, como uma colcha de retalhos, talhada pela memória e pela lembrança evocada no encontro e no ato de narrar.
As três narrativas formam, de fato, uma grande colcha de retalhos, construída por múltiplas vozes, sonoridades, experiências, vivências e lembranças. Um conjunto polifônico, plural e diverso. Na primeira narrativa, denominada “As vozes das mulheres”, discute-se como operam as iniquidades de gênero e quais efeitos produzem sobre mulheres que vivem com aids, além de problematizar as ideologias que contribuem para a não garantia de direitos e para a precarização das vidas femininas em sociedades patriarcais, capitalistas e racistas.











