Sérgio: Eu queria perguntar uma coisa, já que a gente esteve conversando antes sobre o problema da língua: você tem a impressão de estar sendo bem traduzido, isto é, de estar sendo entendido fora da própria língua?
Paulo: Ah, sim. Essa eu acho que é uma pergunta realmente importante. Eu tenho a impressão, Sérgio, de que dificilmente qualquer um de nós que escreva um artigo, dois artigos, um ensaio, um livrinho… Eu não sei se estenderia o que vou dizer ao teu campo, por exemplo, da literatura. Mas no campo do ensaio, da análise política, sociológica, cultural, pedagógica etc., eu tenho impressão que difícilmente qualquer um de nós é totalmente entendido, inclusive na sua própria língua.
Esse é um primeiro aspecto que eu gostaria de, inclusive, não te afirmar, mas trocar ideias contigo; o que é que tu achas também dessa consideração que eu faço agora? Porque estou convencido, Sérgio, de que há um primeiro problema que é ideológico: o de que o leitor nem sempre lê o que se escreveu, mas lê o que ele gostaria que tivesse sido escrito. (ri)
Esse fenômeno, que é ideológico, não tem que ver apenas com a tradução. Com o problema da tradução tu já vais um pouco mais além disso, mas inclusive daquele tipo de leitor que pertence à tua própria família linguística. Nesse sentido, muitos brasileiros e portugueses, que leem meus trabalhos, podem ter — necessariamente terão — uma leitura especial do meu trabalho. Esse é o primeiro aspecto.
Agora o segundo, que tem que ver com esse, é o trabalho dificílimo de traduzir, realmente. Olha, se ler um texto é reescrevê-lo, é recriá-lo, traduzi-lo é mais ainda, porque, no esforço de tradução, o tradutor, de um lado, refaz o texto que ele leu enquanto leitor, e, de outro, ele aumenta o refazer desse texto enquanto reescreve, porque o traduz.
Esse é um dos grandes problemas do tradutor: até que ponto ele vive, ele experimenta essa dialética entre recriar e, ao mesmo tempo, não distorcer o pensamento que ele está recriando. É um negócio difícil: você acrescenta algo que, contudo, não distorce o núcleo central do pensamento de quem primeiro escreveu.
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