Bruno Cava & Giuseppe Cocco – Enigma Do Disforme: Neoliberalismo E Biopoder No Brasil Global
Quando as manifestações de junho de 2013 começaram a se massificar nas grandes metrópoles brasileiras e a se espalharem pelo país, os dirigentes do governo e seus intelectuais ficaram incrédulos, perguntando-se: “Por que protestam?”.
Enigma Do Disforme retoma uma reflexão crítica da experiência dos governos progressistas na América do Sul e particularmente do caso brasileiro, que parecia o mais estável dentre eles.
Enigma Do Disforme também volta a Michel Foucault e suas reflexões sobre o neoliberalismo e, ainda, assume o desafio programático de formular uma teoria da subjetividade nas condições de subdesenvolvimento ou altermodernidade. Uma teoria das formas difíceis, do disforme e da multidão.
A vitalidade da literatura de formação nacional se prolonga de 1930 a 1980, o que coincide com o período clássico do nacional-desenvolvimentismo, entre as ditaduras Vargas e Geisel.
Nesse paradigma teórico-político, o problema da formação se refere à dificuldade em aplicar uma forma desenvolvida à matéria propriamente brasileira. Por que o Brasil não dá certo? Quais são os gargalos crônicos, os entraves estruturais, as carências sistêmicas, as trocas desiguais?
A forma aí é entendida como um modelo de desenvolvimento conjugado com a emancipação do país, a fim de formar uma economia de mercado forte, com um povo orgânico, um empresariado progressista e uma cultura da coisa pública e de serviços universalizados.
Ao longo do século passado, apareceram outros pensadores que rejeitaram o esquema hilemórfico implicado nesse paradigma, isto é, um esquema que opõe a forma ativa, produtora, viril, a uma matéria amorfa, passiva, uterina, que deveria receber de fora o seu princípio de fecundação de valores e organização produtiva.
Por exemplo, em trabalho de imaginação poética, Oswald de Andrade elaborou a alternativa de um cadinho onde um novo ser humano é convocado pela revolução caraíba, uma nação antropófoga, essencialmente disformada por seus paradoxos.
No movimento artístico que lhe seguiu as pistas, com Caetano, Oiticica ou Glauber, dentre outros, foram vários os esforços de redesenhar os desafios da formação levando em conta o barroco de seu inacabamento, a antropofagia de sua relação palpitante com a alteridade, de um povo que falta mas que por isso mesmo é pleno de devires.
Tudo para escapar da modelagem desenvolvimentista fundada na negatividade de uma falta originária.