Vinicius de Moraes (1913-1980) foi uma das presenças mais marcantes na cultura brasileira do século XX. Mais de trinta anos de sua morte, a importância do autor não para de crescer. Pudera: o carioca Vinicius foi um dos nossos grandes poetas modernistas, compositor – um dos pais do movimento conhecido como Bossa Nova, a partir do final dos anos 1950 – que criou canções até hoje conhecidas por brasileiros de todas as gerações, como “Garota de Ipanema”, cronista consagrado na imprensa, dramaturgo, amante da beleza, da mulher e da natureza.
Nesta seleção de suas crônicas, Vinicius aparece por inteiro. A infância, suas memórias de um Rio de Janeiro bucólico e quase interiorano, a observação da passagem do tempo (e a inevitável presença da morte), a paixão pelos livros e pela língua portuguesa, o amor e a contemplação – bem-humorada – da vida cotidiana ocupam estas páginas. Tudo com delicadeza, humor e inteligência, em textos leves e divertidos.
Um dia, casualmente, eu disse a um amigo que a guitarra, ou violão, era “a música em forma de mulher”. A frase o encantou e ele a andou espalhando como se ela constituísse o que os franceses chamam un mot d’esprit. Pesa-me ponderar que ela não quer ser nada disso; é, melhor, a pura verdade dos fatos.
O violão é não só a música (com todas as suas possibilidades orquestrais latentes) em forma de mulher, como, de todos os instrumentos musicais que se inspiram na forma feminina – viola, violino, bandolim, violoncelo, contrabaixo – o único que representa a mulher ideal: nem grande, nem pequena; de pescoço alongado, ombros redondos e suaves, cintura fina e ancas plenas; cultivada mas sem jactância; relutante em exibir-se, a não ser pela mão daquele a quem ama; atenta e obediente ao seu amado, mas sem perda de caráter e dignidade; e, na intimidade, terna, sábia e apaixonada. Há mulheres-violino, mulheres-violoncelo e até mulheres- contrabaixo.