
Vivemos em um contexto abissal, como diz Boaventura Souza Santos, em que as dicotomias entre as políticas e as experiências sociais do Sul e do Norte – ou de todos os cantos do mundo – são visivelmente distintas, sob o viés do interesse econômico, aumentando, nas sociedades, os excluídos e a invisibilidade de muitos.
Nesse momento pandêmico, a leitura de escritos tão diversos pode ser uma oportunidade para despertar, para voltar o nosso olhar mais atentamente às invisibilidades e às ausências na ordem do dia: aqueles que estão do outro lado da margem e que, somente há pouco tempo, começaram a ser percebidos pelas sociedades.
Ao longo dos escritos que constituem Escritos Das margens E Suas Vozes, são apresentadas as vozes de grupos sociais que não foram (e ainda não são) considerados, acreditados e vistos. São vozes existentes nas margens, que clamam suas dores e lutam contra as injustiças sociais, buscando mais equidade e humanidade. São vozes que evocam novos olhares, novas epistemologias.
O elemento comum na maioria dos textos que compõem Escritos Das margens E Suas Vozes é a água, na expressão de um rio, lago ou mar. Por isso, saudamos aqui o rio, condutor da narrativa, que tem a sua volta todas as margens: as invisibilizadas, as subalternizadas e/ou as excluídas. O rio que anuncia as cidades é o mesmo que oculta aqueles que, por vezes, não queremos ver. O pequeno olho d´água do qual jorra uma nascente – que se transforma em um largo rio, que desce em cascatas e cachoeiras, passando por povoados e cidades, recortando florestas, gerando e levando a vida – é o mesmo olho que testemunha todas as misérias.
A poética das águas convoca seus viajantes leitores para um movimento contestador da prática usual aceita por milhares de anos: manter subjugados aqueles ditos sem cultura, sem alma, sem território. Portanto, todos os textos de Escritos Das margens E Suas Vozes se configuram como pequenas e importantes porções d’água que constituem o imenso rio a ser percorrido para inverter essa ordem, ou seja, subverter os processos de colonização, deslocar as margens para o centro, buscando descolonizar nosso olhar e atentar para a cultura, a beleza e os valores do outro.
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