
O livro rompe com as abordagens convencionais da infância, e de seu texto irrompe uma perspectiva que nega tanto a infantilização da criança, quanto a burocratização ou a instrumentalização da linguagem.
Tendo a coragem de enfrentar temas atuais — embora nada triviais — do campo das ciências humanas, a análise desenvolvida traz as dimensões éticas e estéticas para o centro do debate sobre o conhecimento humano, comprometendo-se com uma visão de infância onde razão e paixão coexistem vivas.
“Este texto queima as mãos e, ainda assim, não se pode largá-lo”, foi a expressão cunhada na nossa equipe de pesquisa na Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, ao ler o trabalho.
Queima, eu digo agora, porque nele as ideias ardem, cintilam, faíscam; e não podemos largá-lo porque suas ideias, ao mesmo tempo, anunciam, apontam, indicam caminhos. Solange escreve — como ela mesma afirma, citando Clarice Lispector — porque existe uma coisa que pergunta.
E na construção original da sua escrita, na busca de respostas, ela transita com brilhante segurança teórica pelas obras de Benjamin, Bakhtin, Vygostsky, Lispector, Guattari, Pasolini que, por sua vez, fornecem-lhe novas perguntas.
Esses autores falam, as crianças falam e, sobretudo, Solange fala, subvertendo a ótica tão consagrada de dominação da infância, e fornecendo ao leitor um referencial que coloca em destaque a reflexão crítica sobre o empobrecimento da experiência e da linguagem no mundo moderno.
Walter Benjamin, num de seus fragmentos, tece uma imagem da irresistível atração que têm as crianças pelos destroços, criando sempre o novo a partir do que foi destruído.
No atual contexto em que vivemos, no qual a miséria, a indignação e a necessidade de esperança acompanham os destroços da nossa vida cotidiana, a leitura deste livro pode nos ajudar a compreender e a aprender com as crianças que é possível fazer história do lixo da história.
E esta é, sem dúvida, uma de suas mais belas e importantes contribuições.
