Ao contar suas histórias, Machado de Assis escreveu e reescreveu a história do Brasil no século XIX. Essa hipótese vem sendo defendida, a meu ver de forma bastante convincente, por críticos literários como Roberto Schwarz e John Gledson, e tem se revelado importante para desvendar e potencializar significados nos textos machadianos.
Na ótica de Schwarz, a obra de Machado é interpretada como um comentário “estrutural”, por assim dizer, sobre a sociedade brasileira do século XIX: o romancista expressa e analisa aspectos essenciais ao funcionamento e reprodução das estruturas de autoridade e exploração vigentes no período.
Schwarz procura mesmo explicar a trajetória da obra machadiana como um processo de experimentação e busca de um “dispositivo literário” que “capta e dramatiza a estrutura do país, transformada em regra de escrita”.
Gledson, por outro lado, está mais preocupado em perseguir o movimento da história nos escritos de Machado: o crítico demonstra, num procedimento sistemático de decifração de alusões e alegorias, que o romancista comentou intensamente as transformações sociais e políticas de seu tempo.
Se a pena de Gledson revela um Machado empenhado em interpretar o sentido da história, também mostra que tal esforço é acompanhado de um processo não menos intenso de dissimulação e despistamento do leitor, que não raro vê o seu esforço de entendimento solenemente enviado para as calendas gregas.
É claro que as perspectivas de Schwarz e Gledson se completam, e que questões de estrutura e de movimento são pertinentes e precisam estar presentes na análise da textura sempre complexa, quando não deliberadamente minada, do romance machadiano.
Afinal, o próprio Machado já nos mandara a todos para as calendas gregas no capítulo lxxii de Memórias póstumas de Brás Cubas. Lá está o crítico e bibliômano, um sujeito magro, amarelo e grisalho, que, setenta anos depois, encontra um exemplar único das Memórias e se empenha em decifrar seus aparentes despropósitos.
Esse sujeito, que parece amar os livros acima de todas as coisas, e que também é estrábico, míope, calvo e corcunda, vira e revira as palavras, examina-as por dentro e por fora, e finalmente desanima de tentar entender os seus significados. Isso soa como advertência, porém funciona como vertigem.
Machado De Assis, Historiador
- História, Letras, Literatura
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