Quem dança sabe. O que faz a dança ser dança não cabe só no corpo do dançarino, embora esteja no gesto sua forma de expressão. Nenhuma dança acaba na efemeridade de um gesto, ela permanece no corpo de quem dança (e também de quem aprecia), como uma semente que germina continuamente outras tantas danças e outros modos de expressar. Da mesma forma, a dança também parece não começar no gesto, mas iniciar lá onde o corpo dançante ensaia as sensações do mundo em um movimento de vida ainda não visto.
A energia, o frisson, o phatos, ou qualquer outro nome que se queira dar a isso que se transforma em dança no corpo de quem dança, nasce do contágio com o mundo e a ele retorna para se espalhar e fomentar outros contágios.
Assim, o corpo que dança afeta o mundo ao mesmo tempo em que por ele é afetado, e nesse movimento de afetar-se afetando, as vezes, deseja lançar mão de outras artimanhas poéticas para continuar a fazer valer o que ainda tem para ser compartilhado. O calor da dança confunde-se de tal forma com desejos de partilha do dançarino que se transforma em outros modos de poetizar.
Nos últimos anos, tenho percebido que a arte (ou as artes) de Patrícia Leal nasce dessa necessidade de transbordamento do corpo, que marcado pela intensidade de sua dança, também canta e escreve para não deixar que o fluxo vivido se esvaneça e para manter a ruminação de contágios iniciados. Em Fluxo é exemplo disso: um mundo de aromas, sabores, visibilidades e intensidades diversas se transmutam em espacialidades e temporalidades do gesto dançante e em palavras a serem lidas. Sua leitura cabe, sobretudo, àqueles cuja sensibilidade os permite perceber, nas palavras uma dança e na dança, uma potência geradora da escrita.
Os textos que aqui se apresentam são mais próximos dos poemas que dos textos acadêmicos, porém, não menos importantes para a pesquisa e para o ensino da dança, por desvelarem modos ainda pouco divulgados de produzir conhecimento, como fruto da pesquisa artística, e ao mesmo tempo, acadêmica. Portanto, é fruto de ação sensível e corajosa que procura romper, mesmo que delicadamente, e de mansinho, com a distância que ainda insiste em existir entre dançar, pesquisar e educar.
Em Fluxo
- Dança, Literatura, Poesia
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