Marcelino Freire – Contos Negreiros
O autor escreve como quem pisa no massapé, chão de barro negro, como a fala preta amassada entre os dentes, no terreiro da sintaxe, dos diminutivos dobrados nas voltas da língua.
Tendo como inspiração autores clássicos brasileiros como Cruz e Sousa, Lima Barreto e Jorge de Lima, Marcelino faz uma releitura moderna do preconceito, mas não só mais o racial – nos quinze ‘cantos’ deste volume, ele também esquadrinha, com ironia e humor, questões como homossexualismo e conflito de classes.
O Brasil dos Contos Negreiros, de Marcelino Freire, é um país onde o preconceito social e racial são tão evidentes quanto a mistura de povos e sotaques. Como bem definiu Xico Sá na apresentação do livro, essa “prosa-rapadura”, doce e áspera, revela, pela perspectiva do marginalizado, uma dor e uma indignação de quem é julgado pelos olhos preconceituosos da classe média, da elite branca brasileira e dos estrangeiros.
Trata-se da visão da “casa grande”, como revela a epígrafe dos Contos, uma paródia da “Aquarela do Brasil”, de Ary Barroso: “Brasil, do meu amor / Terra de nosso sinhô”. Impossível, portanto, não concluir que a colonização ainda não acabou.
Os dezesseis cantos curtos de Marcelino Freire, prosas poéticas repletas de ritmo e rimas, carregam a linguagem do povo brasileiro e expõem a dificuldade de ser pobre, homossexual, mulher, idoso e, sobretudo, negro no país do Carnaval e do Vale do Jequitinhonha, de onde esbraveja Totonha, personagem do Canto XXI do livro.
O autor aborda, na grande maioria de seus contos, o tema do preconceito racial. A violência é demarcada pela perspectiva dos marginalizados em “Linha do Tiro”, “Esquece” e “Polícia e Ladrão”, sendo que o primeiro opõe-se aos últimos por sua leveza e seu humor.
A homossexualidade é tema de “Coração” e “Meus amigos coloridos”, sendo mais evidente no primeiro do que no segundo. Em “Totonha”, uma senhora discursa sobre os motivos de não querer aprender a escrever: não é mais moça, não tem importância alguma, não quer baixar a cabeça para imprimir seu nome em um pedaço de papel.
Totonha argumenta: “O pobre só precisa ser pobre. E mais nada precisa. Deixa eu, aqui no meu canto. Na boca do fogão é que fico. Tô bem. Já viu fogo ir atrás de sílaba?”.
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