Os oito textos que compõem essa coletânea partem de uma mesma motivação: entender e romper as barreiras econômicas, políticas e culturais à construção de uma outra cidade, onde o princípio do bem-estar urbano subjugue o princípio da valorização monetária do ambiente construído.
Essa motivação, de natureza política, carrega ainda a aposta noutra forma de se produzir a cidade: a produção autogerida coletivamente para o uso. Reunimos aqui estudos que, com enfoques distintos, buscaram observar a potência de tal forma de produção no atual contexto político brasileiro, assim como as barreiras a sua difusão.
Dentre as políticas redistributivas propagadas no país na última década, estão em curso programas federais de financiamento para empreendimentos habitacionais autogeridos por associações e cooperativas3, não considerados como uma das ações prioritárias por nossos governantes, mas como uma resposta (tímida) às reivindicações dos movimentos nacionais de moradia.
Veremos, nos textos aqui reunidos, que no campo habitacional, os recursos federais alocados para a produção associativa representaram até o momento, não mais do que 2% dos financiamentos para casa própria, evidenciando a força política das grandes empresas construtoras na disputa pelo fundo público.
Porém, o que privilegiamos aqui não são as condições desiguais dessa disputa, mas a própria existência desse campo de disputa e dos avanços contra-hegemônicos que, embora tímidos em termos quantitativos, exigem análises minuciosas das práticas associativas difundidas pelo Brasil. Para estimular uma leitura mais articulada dos textos, algumas premissas serão expostas a seguir.
As cidades brasileiras estão imersas num contexto político e econômico marcado por novas e velhas contradições. Assistimos, desde os anos 90, ao crescente poder dos agentes financeiros em pautarem e controlarem as condições de vida em nossas cidades, através da
interação do setor imobiliário com o circuito financeiro global e das interferências nas políticas urbanas nacionais e locais.
A voracidade com que, desde o lançamento do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) em 2009, as mais influentes construtoras vêm reestruturando o espaço das grandes, médias e pequenas cidades do país, com efeitos muitas vezes dramáticos sobre os grupos despossuídos de poder de reação, expressa o atual contexto.