Neste livro, eu tentei costurar os elementos de um imaginário que fomentou os acontecimentos conhecidos como a Comuna de Paris de 1871, e que subsistiu no tempo; um imaginário ao qual os comunardos e eu damos o nome de “luxo comunal”. Por 72 dias na primavera de 1871, uma insurreição liderada por trabalhadores transformou a cidade de Paris em uma comuna autônoma e começou a implementar, de modo improvisado, a organização livre de sua vida social de acordo com os princípios de associação e cooperação.
Desde então, tudo o que ocorreu naquela primavera em Paris tem sido motivo de controvérsia e de análise – do choque causado pelo fato de pessoas comuns exercerem, numa grande capital europeia, poderes e capacidades normalmente restritos a uma elite dominante até a selvageria da retaliação do Estado. O panorama histórico da Comuna que traço aqui é, ao mesmo tempo, vivencial e conceitual.
Por “vivencial”, quero dizer que os materiais que usei para compô-lo consistem nas palavras, atitudes e ações efetivamente ditas, adotadas e performadas pelos insurgentes e alguns de seus simpatizantes e companheiros contemporâneos mais próximos.
“Conceitual”, por sua vez, significa que essas palavras e ações são elas mesmas produtoras de um número de lógicas que me senti compelida a seguir pelas páginas adiante. Estabeleci como ponto de partida a ideia de que a única maneira de atingir os efeitos mais centrífugos da Comuna é ater-se insistentemente à natureza e ao contexto particular das palavras e das invenções de seus atores.
É notável que, levando-se em conta a volumosa quantidade de análises políticas inspiradas pela Comuna, o pensamento comunardo tenha recebido, historicamente, pouca atenção, até mesmo de autores e acadêmicos politicamente simpáticos à memória do evento. Ainda assim, muito desse pensamento – aquilo que os insurretos fizeram, o que eles pensaram e disseram sobre o que fizeram, o significado que deram a suas ações, os nomes e as palavras que adotaram, importaram ou disputaram – está há muito tempo disponível, reeditado, por exemplo, na França pelo editor de esquerda François Maspero durante o último período de grande visibilidade da Comuna, nas décadas de 1960 e 1970.
Eu preferi me concentrar nessas vozes e ações, e não no extenso conjunto de comentários e análises políticas que se seguiram, sejam eles celebratórios ou críticos. Não tive a preocupação de me limitar aos sucessos ou aos fracassos da Comuna, ou em estabelecer relações diretas com as lições que ela pode ter fornecido ou pode vir a fornecer aos movimentos, insurreições e revoluções posteriores.
Para mim a noção de que o passado forneça lições não é tão clara. Como Walter Benjamin, entretanto, acredito que há momentos em que um evento ou luta particular entram vividamente na representabilidade do presente, e, a mim, esse parece ser o caso da Comuna hoje.