José J. Veiga – Sombras De Reis Barbudos
José J. Veiga estreia na literatura em 1959, com o livro Cavalinhos de Platiplanto, premiado no ano anterior. Já nesse livro de contos o autor recorre à alegoria para representar a realidade. Entre os vários contos que o compõem talvez “A usina atrás do morro” seja aquele que melhor represente o Brasil dos anos cinquenta, em franco processo de industrialização, com suas máquinas impondo a modernidade de forma opressora e tornando opressiva a vida daqueles que ainda estavam em outro estágio cultural. Este conto já antecipa as duas novelas subsequentes – A hora dos ruminantes e Sombras dos reis barbudos – escritas em plena ditadura. As três narrativas, contadas da perspectiva de um narrador-protagonista adolescente, têm como temática a instalação de uma fábrica, a qual, além de modificar os hábitos de uma comunidade, instaura um regime autoritário e de controle sobre os habitantes locais. No entanto, elas nada têm de panfletárias, ao contrário, a representação do real se faz no plano simbólico. É importante ressaltar que essa construção narrativa é uma posição consciente de Veiga, e está expressa em entrevista a Edla van Steen, quando afirma o seu compromisso como escritor: representar a política dando-lhe “uma dimensão mais profunda do que a simples condenação ou denúncia”. Segundo o autor, cabe ao escritor discutir essas questões através dos símbolos.
É, pois essa presença de símbolos e metáforas que permite a leitura das narrativas de Veiga sob a perspectiva da alegoria, que, sendo uma “narrativa de caráter simbólico ou alusivo”, é portadora de um duplo sentido: “o imediato e literal do texto; e o outro, que constitui uma significação moral, psicológica ou teológica”. Essas construções imagéticas pontuam os textos de Veiga notadamente Sombras dos reis barbudos.
Na abertura da narrativa a situação de exceção é apresentada, sendo ela mesma a motivadora da escrita, já que, por sugestão da mãe, temerosa de ver o filho “andando por aí”, o narrador-protagonista se propõe a relatar tudo o que aconteceu desde a chegada do tio, responsável pela fábrica que instaurou um novo tempo, tempo de opressão, que ainda é presente, embora não com a mesma intensidade do passado — “já que os fiscais já não fiscalizam com tanto rigor”.
