A Política Da Ficção

Sob este título, proporei algumas reflexões sobre a interpretação do realismo. Para introduzir o tema, tomarei como ponto de partida um texto canônico sobre o realismo romanesco e a sua importância política: o ensaio de Roland Barthes, publicado em 1968, sobre "O efeito de real".


O texto começa por se deter num pormenor do conto de Flaubert intitulado Um Coração Simples. Ao descrever a sala de estar da casa onde a sua personagem mora, diz-nos o escritor que "um piano antigo sustinha, debaixo de um barômetro, um amontoado em forma de pirâmide de caixas e cartões".
Como é óbvio, o barômetro não serve para nada, e aquele amontoado em forma de pirâmide não nos faz ver seja o que for de determinado. Ora, nos termos de Barthes, ambos "encarecem a informação narrativa". Este julgamento está em sintonia com as declarações dos vários escritores do século XX que denunciaram a futilidade da descrição realista.
No seu Manifesto Surrealista, André Breton descartara a descrição de Dostoiévski do papel de parede e da mobília do quarto da usurária em Crime e Castigo com poucas palavras: "Mas é uma perda de tempo, pois recuso-me a entrar no quarto dele". Jorge Luís Borges, no seu prólogo ao romance de Adolfo Bioy Casares, A Invenção de Morel, fez um comentário semelhante acerca de Proust, afirmando haver demasiadas páginas na sua obra que, segundo ele, temos de aceitar tal como aceitamos o "quotidiano insípido e ocioso".
A questão, portanto, não é apenas o elemento supérfluo da descrição, mas a descrição em si mesma. A descrição surge como um excesso que esconde uma ausência: o excesso de coisas substitui o desdobramento inexorável da imaginação poética por um catálogo de ideias feitas; atravessa-se no meio do enredo tornando-o impreciso; ou então apaga o jogo da significação literária e joga a sua falsa evidência contra a tarefa da interpretação.

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Sob este título, proporei algumas reflexões sobre a interpretação do realismo. Para introduzir o tema, tomarei como ponto de partida um texto canônico sobre o realismo romanesco e a sua importância política: o ensaio de Roland Barthes, publicado em 1968, sobre “O efeito de real”.
O texto começa por se deter num pormenor do conto de Flaubert intitulado Um Coração Simples. Ao descrever a sala de estar da casa onde a sua personagem mora, diz-nos o escritor que “um piano antigo sustinha, debaixo de um barômetro, um amontoado em forma de pirâmide de caixas e cartões”.
Como é óbvio, o barômetro não serve para nada, e aquele amontoado em forma de pirâmide não nos faz ver seja o que for de determinado. Ora, nos termos de Barthes, ambos “encarecem a informação narrativa”. Este julgamento está em sintonia com as declarações dos vários escritores do século XX que denunciaram a futilidade da descrição realista.
No seu Manifesto Surrealista, André Breton descartara a descrição de Dostoiévski do papel de parede e da mobília do quarto da usurária em Crime e Castigo com poucas palavras: “Mas é uma perda de tempo, pois recuso-me a entrar no quarto dele”. Jorge Luís Borges, no seu prólogo ao romance de Adolfo Bioy Casares, A Invenção de Morel, fez um comentário semelhante acerca de Proust, afirmando haver demasiadas páginas na sua obra que, segundo ele, temos de aceitar tal como aceitamos o “quotidiano insípido e ocioso”.
A questão, portanto, não é apenas o elemento supérfluo da descrição, mas a descrição em si mesma. A descrição surge como um excesso que esconde uma ausência: o excesso de coisas substitui o desdobramento inexorável da imaginação poética por um catálogo de ideias feitas; atravessa-se no meio do enredo tornando-o impreciso; ou então apaga o jogo da significação literária e joga a sua falsa evidência contra a tarefa da interpretação.

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