“Quando cai a noite, volto para casa e entro em meu escritório; e, à porta, dispo-me das vestes cotidianas, cheias de lama e lodo, e me enfio em panos reais e curiais; e, vestido decentemente, entro nas antigas cortes dos antigos homens, onde, recebido amorosamente por eles, farto-me daquele alimento que é só meu e para o qual nasci; lá, não me envergonho de falar com eles e perguntar-lhes a razão de suas ações; e eles, por sua humanidade, me respondem; e, por quatro horas de tempo, não sinto nenhum tédio, esqueço qualquer aflição, não temo a pobreza, não me assusta a morte; transfiro-me todo para eles.”
Com essas palavras, extraídas de uma carta dirigida a Francisco Vettori, em 1513, Nicolau Maquiavel caracteriza sua experiência como leitor de textos antigos e clássicos. Com efeito, Maquiavel sequer emprega os termos “livro” e “leitura”. Não obstante, a que se referia o pensador florentino senão a leitura dos clássicos universais?
Caso contrário, de que outra maneira seria possível entrar nas “antigas cortes dos antigos homens”, e ser “recebido amorosamente por eles”, e ser alimentado por eles, e ser respondido por eles?
A esse propósito, afirma Descartes, em 1637, no seu Discurso do Método: “A leitura de todos os bons livros é como uma conversa com as pessoas mais ilustres dos séculos passados, que foram seus autores, e mesmo uma conversa refletida na qual eles só nos revelam seus melhores pensamentos.” De fato, a leitura dos “bons livros”, a leitura das obras clássicas produzidas pelas “pessoas mais ilustres dos séculos passados”, podem nos entronizar “nas antigas cortes dos antigos homens”, nas quais não nos atormenta “nenhum tédio”, nem “qualquer aflição”, nem temor da “pobreza” ou da “morte”.
Ora, nós que habitamos o jardim no qual viceja a “última flor do Lácio” (Olavo Bilac), como poderemos visitar essas “cortes” e dialogar com esses “homens”, se já não mais falamos nem compreendemos seu linguajar?
Como poderemos nos fartar “daquele alimento que é só meu [nosso] e para o qual nasci [nascemos]”, isto é, toda a sabedoria contida nessas majestosas obras escritas por esses nobres homens, se já não somos capazes de lê-los em seu Grego ou em seu Latim? Estaríamos nós privados dessa tão profícua convivência? Estaríamos nós impedidos de banquetearmo-nos com aquele “alimento que é só meu [nosso]”? Ao que parece, esse não é o caso!
Discurso Pela Dignidade Do Homem
- Ciências Sociais, Filosofia
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