
Pensei em muitas formas de iniciar esta obra. Um livro que representa começos e fins. Começo porque Maria de Lourdes Vale Nascimento: uma intelectual negra do pós-Abolição é minha estreia como biógrafa. Há duas décadas, pesquisando a história de mulheres negras na escravidão e no pós-Abolição, chegou a oportunidade de sistematizar, no produto livro, uma introdução do que tenho pensado e produzido sobre epistemologia feminista negra.
A reconstituição do trajeto de Maria congrega biografia e o eixo de um livre pensar. Fim (de uma etapa) porque consigo fechar uma das muitas janelas abertas no trabalho hard de cortes e rupturas em relação à ciência hegemônica, pretensamente neutra. É bom sentir o frio na barriga ocasionado pelo avanço das reflexões sobre o conceito de “intelectual negra”.
Em linhas gerais, intelectual negra, tratada aqui como episteme, pode ser definida como o conjunto de saberes, práticas e processos de produção de conhecimento, agenciados por mulheres negras por meio de ferramentas científicas produzidas por si próprias. Na linha de Beatriz Nascimento, posso dizer que “considero-me parte da matéria estudada”. Maria e este livro são parte da minha matéria.
Além da historiadora sergipana, inspiram estas reflexões iniciais os debates propostos por Ana Luisa Janeira acerca das diferenças entre corte, ruptura e recursos utilizados pela ciência para conferir aos fatos caráter científico. E também as discussões dos Estudos Feministas sobre ciência sucessora, localização de saberes e visibilização de conhecimentos obscuros, conforme os produzidos por mulheres como Maria e muitas outras.
Esse trajeto é movimento. Baseado na articulação entre teoria e prática. No poder de sonhar e projetar por meio da escrita. Ele se liga à minha formação de historiadora social e, posteriormente, à construção da carreira como pesquisadora ativista, intelectual pública e liderança acadêmica. E ao importante ato de “mover-se além da dor”.
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