A integração do negro na sociedade de classes: no limiar de uma nova era, de Florestan Fernandes, completa essa verdadeira opus magna de nossa sociologia. Se no volume I o autor punha em cheque de modo explícito “o mito da democracia racial”, além de promover um deslocamento conceitual e geográfico da questão racial no Brasil, introduzindo, de um lado, a abordagem marxista da sociedade de classes, e de outro, o caso paulista em lugar do nordestino (a nova situação industrial em detrimento da agrária), neste volume 2, mais propriamente sociológico e menos conceitual-histórico, Florestan Fernandes aborda diretamente o movimento ou movimentos negros — ou melhor, a emergência e as perspectivas de tais movimentos na sociedade e na política brasileiras.
Os resultados da análise desenvolvida na primeira parte deste trabalho mostram que as transformações históricos-sociais, que alteraram a estrutura e o funcionamento da sociedade, quase não afetaram a ordenação das relações raciais, herdadas do antigo regime. Ela se perpetuou com suas principais características obsoletas, mantendo o negro e o mulato numa situação social desalentadora, iníqua e desumana. No fundo, essa situação acarretava não um, mas dois grandes dilemas sociais. Primeiro, havia o dilema da absorção da “população de cor” às formas de vida social organizadas imperantes na ordem social competitiva. O estado de miséria, de desorganização e de abandono, em que vivia a maior parte dessa população, precisava ser combatido e superado. É provável que aí não estivesse o pior aspecto da condição humana oferecida ao “negro” na era da civilização industrial. Contudo, nele se achava, sem dúvida ou disfarce possível, o lado mais pungente e perigoso do “drama da raça negra”. Segundo, havia o dilema do “preconceito de cor”, ou seja, no que isso significa na sociedade brasileira, da perduração da velha associação entre cor e posição social ínfima, a qual excluía o “negro”, de modo parcial ou total (conforme os comportamentos e os direitos sociais considerados), da condição de gente. Enfim, o dilema que nascia das resistências abertas ou dissimuladas, mas todas muito fortes, em se admitir o negro e o mulato em pé de igualdade com os “brancos”. Enquanto tal dilema subsistisse, mesmo o padrão de democracia inerente à sociedade de classe numa economia capitalista seria impraticável. Ocorria uma perversão insidiosa do regime, que trazia consigo riscos potenciais para a diferenciação e o equilíbrio da ordem social competitiva.