Um debate entre um padre católico e um historiador ateu sobre crer ou não crer? Há precedentes, mas este caso é absolutamente encantador, seja pela temática, seja pela inteligência militante da dupla em sereno e denso diálogo no qual, mais do que procurar provar quem está certo, há o desejo latente de provar que não deve haver desrespeito às crenças nas crenças nem às crenças nas descrenças.
Poderia ser um embate, um combate; contudo, tornou-se de fato um debate, no qual ambos, fundamentados, apresentam as razões das suas razões, isto é, os sentidos das suas crenças no crível e no incrível.
Há também momentos de alegria e humor sagaz, o que nos permite não perecer em tecnicismos conceituais nem em enfadonhos meneios intelectuais que servem mais para ostentar arrogante sapiência do que para exercer humilde paciência.
O modo como o debate termina é a expressão maior do prazer arguto e da ironia astuciosa de ambos. Ora, sabemos que a primeira grande obra no Ocidente a tratar das bases racionais para uma concepção que admita uma realidade que vá além da mera materialidade é a Metafísica, de Aristóteles.
Pois bem, qual é a última frase do Padre Fábio neste livro? “A quem não tem Deus, que tenha, pelo menos, Aristóteles.” Conclusão de Karnal (e do debate): “Amém!”.
Agudeza pura, de ambos! Padre Fábio reafirma suas convicções durante toda a conversa, isto é, a fé que carrega e partilha não é apoiada em delírios infundados; enquanto Karnal usa o amém, antiga fórmula de encerramento e concordância em muitos “atos religiosos”, sem chancelar serem “fatos religiosos”, o que é menos uma anuência e mais a reafirmação do que nos contou durante o debate sobre a apreciação que, como pesquisador da história e da arte, tem por ritos, mitos e liturgias.
A aclamação amém se origina de vocábulo hebraico que carrega a noção de solidez, de consistência e, portanto, indica que quem o diz concorda com a veracidade e firmeza do que antes veio, e é claro que Karnal aprova a recomendação do Padre Fábio. Afinal, ele diz logo no princípio da conversa: “Eu creio em Deus, mas creio humanamente”. Ou: “Quando fui apresentado à fé sobrenatural ela me soou razoável. Um ser superior cuida de mim”; Karnal, por outro lado, conta: “Meu ateísmo não foi um fato ou uma decepção, mas um processo muito natural”. Ou: “Fé é entrega e, para a entrega, deve existir uma disposição interior que eu não tenho mais”.
Nem o sacerdote nem o historiador dizem amém a tudo!
Crer Ou Não Crer
- Filosofia, Religião
- 4 Visualizações
- Nenhum Comentário
Link Quebrado?
Caso o link não esteja funcionando comente abaixo e tentaremos localizar um novo link para este livro.