
Os fios que entrançam as relações entre literatura e cinema são antigos, diversos e mais abrangentes do que possa sugerir a simples dicotomia entre esses dois campos artísticos, ramificando-se por diversos territórios, da arte ou fora dela.
Na apreciação das relações entre texto e filme, o mais comum é nos depararmos com reflexões que envolvem a problemática da adaptação cinematográfica de obras literárias. Esse fato não causa surpresa.
De acordo com estimativas da revista Variety, dos filmes produzidos em 1997, 20% apresentavam argumentos que provinham de romances, enquanto que mais 20% tinham, na sua origem, peças de teatro, espetáculos de TV, artigos de jornais e revistas, ou seja, não partiam de argumentos “originais”.
Se, para Cesar Zamberlan, no artigo que encerra a primeira parte de Texto E Tela, o “cinema vai à literatura em busca de boas e consagradas histórias”, ele também parece buscar nela modelos de narratividade que passam pela transcriação de sintaxes narrativas em sua linguagem específica, além de modos de reflexão conceitual e teórica sobre suas próprias formas.
Como explicita o trabalho já clássico de David Bordwell sobre a narrativa cinematográfica, a distinção entre as teorias miméticas e diegéticas do cinema enraízam-se na separação aristotélica entre os meios, os objetos e os modos de imitação da realidade relacionados à poesia.
Entretanto, conforme as reflexões aqui reunidas buscam mostrar, os trânsitos, apropriações, margens, diálogos, costuras, extirpações, incorporações entre cinema e literatura vão ainda muito além desses fatores, constituindo novas e intrincadas poéticas literárias e cinematográficas, novos territórios e textualidades, nos filmes, livros e em quantas novas ramificações midiáticas, linguagens e suportes a criatividade humana possa conceber.
Por um lado, a materialidade específica do audiovisual potencializa e reelabora, a seu modo, aspectos também presentes na literatura, como a relação com a visualidade, o ponto de vista, a “escultura” (multidimensional) do tempo (expressão de Tarkovski), a sonoridade, seja ela a da palavra ou a de uma musicalidade extravagante e eminentemente narrativa que lhe é própria, enfatizando a “dimensão ontológica da sétima arte”, como afirma Maria do Rosário Lupi Bello, no ensaio de abertura desta obra.
