Uma das diversões de Carlos Drummond de Andrade era a autocaricatura. O desenhista amador variava em torno das mesmas características: a calva alongada, os olhos quase sempre ausentes ou mínimos por trás de grandes óculos, o nariz pontiagudo, uma esfíngica ausência de expressão. Pergunto-me se o olhar de caricaturista do poeta terá deixado pistas em seus versos.
Segundo Antonio Candido, os dois primeiros livros de Carlos Drummond de Andrade – Alguma poesia (1930) e Brejo das Almas (1932) – estão “construídos em torno de um certo reconhecimento do fato”. A escrita era, portanto, uma espécie de registro, ainda que em moldes modernistas:
O sentimento, os acontecimentos, o espetáculo material e espiritual do mundo são tratados como se o poeta se limitasse a registrá-los, embora o faça da maneira anticonvencional preconizada pelo Modernismo.
Penso que tal afirmativa pode ser estendida para outros poetas, pois, apesar das diferenças entre eles, muitos compartilhavam certa tendência ao retrato, que se contrapunha, por exemplo, à mística e ao idealismo do gosto simbolista, mas também ao realismo convencional que dominava a cena literária. Assim, os registros modernistas, recusando o academicismo, aproximaram-se da caricatura, ou ainda, de seus valores formais e ideológicos: síntese, deslocamento, dessacralização, humor e uma representação não naturalista do real, ou seja, baseada na liberdade, no anti-ilusionismo e na imaginação. Nem Drummond nem os outros poetas se limitavam, portanto, a registrar, muito embora, e isso não era raro, dessem a entender – em poemas, crônicas, manifestos, cartas – que uma enorme parte da vida familiar, social, literária e política do país lhes parecia artificiosa, distorcida, patética, enfim, caricatural em si mesma.
Para Henri Bergson, o caricaturista “adivinha, sob as harmonias superficiais da forma, as revoltas profundas da matéria”. Digamos que a realidade brasileira, aos olhos críticos dos modernistas, não se mostrava harmoniosa sequer superficialmente; as deformidades estavam visíveis à flor da forma.
