A partir da comparação entre Brasil e Estados Unidos e fazendo uso de vasto material histórico e etnográfico, Descolonizando Sexualidades investiga as várias formas de manejo moral dos povos indígenas utilizadas em sua incorporação compulsória ao sistema colonial, bem como as respostas por parte desses povos nos dois países. Tal comparação buscou incorporar as perspectivas two-spirit e as críticas coloniais a fim de compreender os caminhos a partir dos quais a subalternização da homossexualidade indígena passa a ser parte inerente da colonização.
Nestas páginas vemos como a colonização equivale, necessariamente, a um aparato burocrático-administrativo, político e psicológico para normalizar as sexualidades indígenas, moldando-as à ordem colonial. Entretanto, tais práticas de disciplinamento não impedem respostas por parte dos indígenas cujas sexualidades operam fora do modelo hegemônico, de modo que tais formas de contestação nos permitem compreender melhor os movimentos indígenas, as relações interétnicas e as políticas indigenistas, assim como as relações de poder nestes dois contextos nacionais.
As várias referências sobre práticas homossexuais em aldeias indígenas no Brasil desde o século XVI, a serem apresentadas neste trabalho, nos permitem perceber não apenas quão normais tais condutas eram entre alguns povos indígenas, mas também como incomod[av]am os agentes coloniais.
Percebemos, por essas fontes, um policiamento ostensivo das sexualidades indígenas a fim de normalizá-las em um processo dialético: a representação dessas práticas enquanto algo pecaminoso, degenerado, involuído etc. não apenas legitima sua repressão, como também dá sentido aos sistemas de ideias de onde partem essas representações: a subordinação do desejo do outro à vontade do colonizador passa a ser algo central no sistema de dominação colonial e na justificativa para sua própria existência.