A Não Violência

Depois das tragédias ocorridas ao longo do século XX e do não cumprimento das promessas seja das guerras, seja das revoluções, temos que repetir com Karl Valentin, o comediante e amigo de Brecht: “Antigamente o futuro era melhor!”.


O futuro não parece mais tão radiante para justificar a violência (seja bélica ou revolucionária) invocada para realizá-lo. Que fique bem claro: não estamos assistindo ao desaparecimento das mirabolantes construções ideológicas ou das “grandes narrativas do século XIX” de que fala Jean-François Lyotard.
A esse respeito, o progresso que os pós--modernos teorizaram de fato e de maneira contraditória, justamente eles, os grandes críticos da ideia de progresso, é parcial e frágil.
Em nossos dias, a “grande narrativa” segundo a qual a disseminação da democracia em escala global, ainda que pela força das armas, extirparia de vez as raízes da guerra e abriria o caminho para a paz perpétua, continua provocando suas consequências nefastas.
É em nome dessa perspectiva exaltante que são lançadas “operações de polícia internacional” devastadoras e sangrentas. Entretanto, embora sejam propaladas e transfiguradas por um aparato gigantesco e sofisticado de multimídia, essas guerras não têm mais a capacidade de despertar o entusiasmo e o encanto de outrora.
As decepções provocadas pelo desenvolvimento real do século XX estimulam um estado de ânimo e uma atitude que poderiam ser sintetizadas assim: em vez de postergar a não violência a um futuro político-social muito problemático, não seria melhor praticá-la individualmente desde já?
Por que o recurso às armas com o objetivo de realizar mudanças no plano interno e internacional não deveria seguir o mesmo declínio de outras práticas violentas (a caça às bruxas, a escravidão, o duelo), que no passado tiveram muito sucesso, mas que agora não são mais compreensíveis?
Assim argumentava Lev Tolstoi, que, em 1896, ao desejar e prever um mundo sem guerra, apontava: “Este tempo está próximo […] Restará apenas uma vaga lembrança da guerra e do exército na forma em que hoje existem”. É uma profecia formulada poucos anos antes do começo século XX, o século que depois veria deflagrar a guerra por longo tempo, em cada canto do mundo e em modalidades particularmente monstruosas.
Em 1905, enquanto na Rússia ocorria a revolução que estava abalando a autocracia czarista, Tolstoi fazia outra profecia: “A revolução violenta sobreviveu a si mesma”; um ciclo se fechava e outro se abria, no qual a transformação radical da sociedade aconteceria pacificamente. É só lembrar que os desenvolvimentos sucessivos, tanto na Rússia como em outras partes do mundo, desmentiram radicalmente também essa profecia.
Conhecemos as lágrimas e o sangue de onde jorraram, com modalidades e resultados bem diferentes entre si, os projetos de transformação do mundo através da guerra ou da revolução. A filosofia do século XX, a partir do ensaio publicado em 1921 por Walter Benjamin, comprometeu-se com a “crítica à violência” inclusive quando ela tem a pretensão de ser “meio para fins justos”, mas o que sabemos nós dos dilemas, das “traições”, das decepções e das verdadeiras tragédias que viveu o movimento que se inspirou no ideal da não violência?

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O futuro não parece mais tão radiante para justificar a violência (seja bélica ou revolucionária) invocada para realizá-lo. Que fique bem claro: não estamos assistindo ao desaparecimento das mirabolantes construções ideológicas ou das “grandes narrativas do século XIX” de que fala Jean-François Lyotard.
A esse respeito, o progresso que os pós–modernos teorizaram de fato e de maneira contraditória, justamente eles, os grandes críticos da ideia de progresso, é parcial e frágil.
Em nossos dias, a “grande narrativa” segundo a qual a disseminação da democracia em escala global, ainda que pela força das armas, extirparia de vez as raízes da guerra e abriria o caminho para a paz perpétua, continua provocando suas consequências nefastas.
É em nome dessa perspectiva exaltante que são lançadas “operações de polícia internacional” devastadoras e sangrentas. Entretanto, embora sejam propaladas e transfiguradas por um aparato gigantesco e sofisticado de multimídia, essas guerras não têm mais a capacidade de despertar o entusiasmo e o encanto de outrora.
As decepções provocadas pelo desenvolvimento real do século XX estimulam um estado de ânimo e uma atitude que poderiam ser sintetizadas assim: em vez de postergar a não violência a um futuro político-social muito problemático, não seria melhor praticá-la individualmente desde já?
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Assim argumentava Lev Tolstoi, que, em 1896, ao desejar e prever um mundo sem guerra, apontava: “Este tempo está próximo […] Restará apenas uma vaga lembrança da guerra e do exército na forma em que hoje existem”. É uma profecia formulada poucos anos antes do começo século XX, o século que depois veria deflagrar a guerra por longo tempo, em cada canto do mundo e em modalidades particularmente monstruosas.
Em 1905, enquanto na Rússia ocorria a revolução que estava abalando a autocracia czarista, Tolstoi fazia outra profecia: “A revolução violenta sobreviveu a si mesma”; um ciclo se fechava e outro se abria, no qual a transformação radical da sociedade aconteceria pacificamente. É só lembrar que os desenvolvimentos sucessivos, tanto na Rússia como em outras partes do mundo, desmentiram radicalmente também essa profecia.
Conhecemos as lágrimas e o sangue de onde jorraram, com modalidades e resultados bem diferentes entre si, os projetos de transformação do mundo através da guerra ou da revolução. A filosofia do século XX, a partir do ensaio publicado em 1921 por Walter Benjamin, comprometeu-se com a “crítica à violência” inclusive quando ela tem a pretensão de ser “meio para fins justos”, mas o que sabemos nós dos dilemas, das “traições”, das decepções e das verdadeiras tragédias que viveu o movimento que se inspirou no ideal da não violência?

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