Como plasmar em imagens uma forma invisível de habitar? E simplificando ainda mais a pergunta, como fotografar a invisibilidade? “Habitar invisível” traz de antemão um convite a compartilhar de um conflito, tanto do ponto revista lógico formal quanto da discussão social e política. Gravar simplesmente a imagem de algo que estava oculto não resolve a questão.
É preciso já de entrada ressaltar que não se trata de um ensaio fotográfico jornalístico sobre essa forma de construir o morar, de colocar-se dessa maneira na experiência urbana, pois a imagem ilustrativa estaria longe de presentificar a invisibilidade propriamente dita; como máximo representaria a dor, a dureza e a vulnerabilidade, que mais do que produzir uma proximidade cúmplice, está muitas vezes de mãos dadas com a piedade e a distância da produção dessa situação. Mas se não se trata de tornar visível, qual o sentido de Habitar Invisível?
Os versos de João Cabral de Melo Neto nos ajudam a iniciar uma resposta, uma discussão, uma idéia: o sentido é habitar-se. Discutir a produção da invisibilidade das pessoas e suas formas de habitar o urbano contemporâneo implica, necessariamente, em se colocar também em questão. Habitar-se para descobrir a invisibilidade do outro contida na própria possibilidade sócio política de presença na experiência urbana contemporânea. Constituir outro olhar, distinto da distância piedosa da ilustração da dor. Constituir assim uma composição de imagens, como versos de um poema visual, prenhes de cumplicidade, erigidos na proximidade da produção de vida e cuidado na rua.
Proximidade esta que nos remete à obra de Evgen Bavčar, na qual é elevada a uma outra qualidade do olhar. Este filósofo e artista plástico esloveno, cego desde os doze anos de idade, discute a produção da imagem a partir do que ele define como olhar aproximado. Distinto do olhar físico que necessita da distância para se constituir, essa outra forma de olhar é o da confiança, da cumplicidade, da proximidade, que só se dá no acontecimento, no encontro.
O belíssimo trabalho fotográfico de Bavčar se produz no encontro e propõe uma discussão sobre o mesmo. Constituídas a partir de sua memória imagética infantil, de suas leituras atuais, das palavras de seus cúmplices criativos e seu profundo conhecimento e habilidade técnica fotográfica, ele chama suas imagens – o resultado final no papel emulsionado com sais de prata ou mesmo da gravação digital – de escrituras feitas com luz.
Assim como as escrituras feitas com luz de Bavčar, o poema visual de Diogo Vaz, é formado, justamente, de imagens frutos do encontro. Um poema constituído por habitar-se nessa invisibilidade mesma da exclusão citadina. E mais do que uma aproximação narrativa a essa forma de habitar, a composição apresentada propõe um debate sobre a produção dessa invisibilidade, sobre as formas possíveis de construção de aproximação, cuidado e produção de vida.
Como uma forma potente e inventiva de produção em saúde coletiva, “Habitar Invisível” não dá receitas, muito menos prescrições de abordagens ao tema. Sua poiética dispara a necessidade de aproximar-se da experiência do outro, de suas formas de viver e habitar o urbano, da produção social e política dessa invisibilidade. Poema visual como uma abordagem em saúde coletiva da invisibilidade Habitar-se invisível para reinventar o cuidado.