De toda a ficção norte-americana, uma das vertentes mais originais e geniais é a literatura noir, que teve seu ápice nas décadas posteriores à quebra da bolsa de 1929 e que retrata o lado negro de uma América em crise, desesperançada e violenta. Talvez não por acaso os maiores autores do noir clássico confundam-se com os grandes nomes da literatura norte-americana do século XX: Raymond Chandler, Dashiell Hammett, Ross Macdonald, Chester Himes e David Goodis (1917-1967). Este último se debruçou sobre as classes marginalizadas da sociedade norte-americana com uma força de caracterização ímpar de ambientes e personagens.
A lua na sarjeta, publicado originalmente em 1953 e um dos mais conhecidos romances de Goodis, é ambientado na Vernon Street, uma sórdida e perigosa rua dos subúrbios da Filadélfia que até as ratazanas evitam. Nessa rua acontece o misterioso suicídio da irmã de William Kerrigan, um estivador que não se conforma com a tragédia e cuja vida miserável vai ser envolvida em uma cadeia de acontecimentos marcada por desejo, vingança e desespero.
Esta nova tradução de A lua na sarjeta restitui toda a força e o ímpeto de um dos grandes nomes da literatura norte-americana do século XX.
Na entrada da ruela que dava para a Vernon Street, um gato cinza esperava que uma ratazana grande saísse de seu esconderijo. O rato tinha corrido para dentro de um buraco na parede do barraco de madeira e, agora, o gato estava inspecionando todas as fendas estreitas e se perguntando como o rato conseguira se espremer para passar por ali. O gato esperou, na escuridão grudenta de uma meia-noite quente, por mais de meia hora. Quando foi embora, deixou a marca de suas patas no sangue seco de uma garota que tinha morrido ali na viela uns sete meses atrás.
Alguns instantes depois, o beco estava silencioso. Então ouviu-se o som dos passos de um homem que se aproximava lentamente pela Vernon Street. E naquele momento ele entrou no beco e ficou imóvel sob a luz do luar. Estava olhando para as marcas de sangue seco no chão.
O homem se chamava William Kerrigan e era irmão da garota que tinha morrido ali no beco. Nunca gostava quando visitava aquele local, mas aquilo se parecia com um mau hábito que ele desejava poder largar. Ultimamente tinha ido até ali noite após noite.