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As Pérfidas Salomés analisa uma representação moderna do feminino, tomando o mito bíblico como referência para refletir sobre a nova sexualidade feminina apresentada na produção textual e iconográfica das revistas ilustradas Fon-Fon ! e Para Todos… – editadas por intelectuais vinculados à tradição literária simbolista, no Rio de Janeiro, nas três primeiras décadas do século XX.
A análise parte de uma reflexão sobre o feminino tendo como pontos de referência os padrões estabelecidos pela cultura urbana burguesa que emerge com a modernização da cidade. Centra-se, portanto, na crônica jornalística e em certa produção literária de época, para discutir a mulher como um dos sujeitos fundamentais na história da modernidade apresentada por esses intelectuais.
Mais que travar um debate exclusivamente sobre gênero, pretende-se posicionar a questão da representação do feminino, no início do século XX, em uma discussão mais ampla e complexa que envolve a relação entre o papel desenvolvido pelos vários sujeitos sociais que conformaram a modernidade carioca e a modernização da cidade.
Parte-se, portanto, de uma percepção literária simbolista para compreender a representação da cidade e da mulher, ou seja : um olhar lírico e melancólico, no qual a pólis era vista e sentida como centro produtor de arte e de cultura, como símbolo do Brasil moderno, e a mulher como sujeito fundamental da modernização urbana. Cidade e mulher eram percebidas como formas culturais simbolizadoras de um cotidiano urbano « civilizado » e, neste sentido, exibidoras de uma beleza própria à modernidade.
Não é de todo estranho que um homem perca a cabeça por uma mulher. Sobretudo, se consideramos que no século XIX ele descobre o Mal como objeto estético e erótico. Mal que se esconde numa práxis marcada pela hipocrisia da burguesia liberal que, em silêncio, deve manter sob controle as suas paixões.
Por outro lado, o indício ao mesmo tempo mais infalível e mais ambíguo de tal controle é o tédio, l’ennui, tal como expusera Charles Baudelaire em Flores do Mal. Pois, para homens como Baudelaire o tédio convertera-se no preço mais caro que a burguesia esclarecida deveria pagar pela política repressiva de suas paixões. Por outro lado, em uníssono com o Marquês de Sade, Baudelaire dizia que o único e mais elevado prazer do amante consistia na certeza de fazer o Mal a quem só lhe devotava o amor.
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