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Este livro se destina a todos(as) que se interessam por conhecer um tipo raro de cinema feito no Brasil: os filmes de contato.
Seus realizadores se dedicam a filmar durante um extenso período de tempo uma das experiências mais devastadoras ainda nos dias de hoje em andamento no território brasileiro: o contato entre a sociedade nacional e os povos que aqui vivem originariamente.
Adrian Cowell, Vincent Carelli e Andrea Tonacci captam os inúmeros sentidos desse encontro, indagando a história – suas catástrofes e suas aberturas –, no mesmo momento em que abrem novos caminhos para o cinema.
Os filmes oscilam entre participar do acontecimento, intervir em seu curso e assumir certa distância para narrá-lo, comentá-lo, perspectivá-lo. Mas a elaboração que fazem da experiência não se constitui estritamente por alguma espécie de “esclarecimento” que, distanciado dos acontecimentos, os tomaria como objeto de pensamento: imbricados aos processos históricos, os filmes lidam principalmente com sua matéria sensível (e não há nada de apaziguado aqui): os olhares esquivos e devolvidos, a variedade de formas de enunciação, as diferenças linguísticas; os corpos em sua presença e em sua ausência; os rios e as florestas (que são também espaços virtuais, cosmológicos), as trilhas, as armadilhas, as flechas; os pontos de vista, sua tentativa.
Trata-se, assim, de uma distância que se constitui por movimentos que a câmera produz, acompanha e que também sofre (de aproximação, de esquiva, de recusa, de enfrentamento, de acolhimento, de suspeita e de dúvida).
Os últimos isolados (1967-1999), de Adrian Cowell, Corumbiara (1986-2009), de Vincent Carelli, e Os Arara (1980-), de Andrea Tonacci, são testemunhos da tragédia que o progresso impôs e continua impondo aos povos indígenas no Brasil.
Estreita e instável, a cena do contato é circundada por um amplo extracampo: antes dela, os índios se escondem nas cabanas e nos buracos, esquivam-se pelas trilhas, espreitam silenciosos na mata.
Feito o contato, o desastre, que já se anunciava, precipita-se. Como dirá César Guimarães, em já mencionada entrevista com Andrea Tonacci, quando o diretor reencontra Carapiru, muito tempo depois, no filme Serras da desordem (2006), “é como se ele voltasse desse encontro devastador[…].”
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