
O Brasil é muito grande, mas quem, em meados dos anos 2000, tinha algum contato com fatos insólitos da política, provavelmente, ouviu falar do personagem e do ato que motivou a pesquisa para este livro.
Quem teve registro, lembra da figura do vereador Cururu, em janeiro de 2008, como um Cristo caricato, realizando uma sessão de exorcismo performático no plenário da Câmara de vereadores de Pelotas.
O ineditismo do ato, o aparente despropósito, tudo contribuía para reprovação imediata, principalmente por quem entende o Legislativo como um espaço protocolar de seriedade.
Certamente amparava, também, o entendimento de boa parte da opinião pública sobre a justeza da abertura do processo por quebra de decoro, e a posterior cassação do vereador, em março daquele ano. Mas, há quem discorde.
Cururu, ganhara notoriedade nacional por sua campanha a vereador de Pelotas, em 2004. Empresa financeiramente pobre, rica em criatividade, o candidato se apresentava como um tipo gaúcho estilizado, um homem do povo interessado em resolver os seus problemas materiais imediatos, que, porém, “não era ladrão e não ia dar sossego a corrupto”.
Talvez seu processo de cassação tenha passado despercebido para quem se atém ao estereótipo, projetado na mídia, de palhaço inconsequente, apenas um marqueteiro de si mesmo, como alguém já disse.
Na verdade, a partir de 2005, o vereador Cururu passou a ter uma participação ativa no Legislativo pelotense, dividindo opiniões pelo seu jeito próprio de se manifestar, pelos questionamentos que fazia ao sistema, pela forma como se posicionava diante dos temas políticos e das práticas legislativas.
A partir da ideia de que qualquer ação, no sentido social buscado, refere-se sempre ao comportamento esperado do outro, o autor, descrendo de que apenas o ato em si, apesar da carga de paixões que o envolve, seria suficiente para uma decisão tão dura, inclusive por situações pregressas, vai mais fundo, interrogando as motivações mais íntimas para o acionamento da quebra de decoro parlamentar.
Para isso, vasculha centenas de páginas de atas das sessões do Legislativo e publicações da imprensa relativas ao caso, procurando avaliar em que medida o padrão de comportamento político de Cururu, e a reação dos pares a ele, teria contribuído para o desfecho radical.
O texto das atas, em especial, é saboroso, hilário, afinal o político focado é dotado de fina ironia. Usando de uma linguagem, por vezes, tosca, debochada, e dialética, faz realçar as contradições daquele parlamento e do universo da política brasileira, os contrastes entre o moderno e o tradicional, entre a normatividade e o “jeitinho”.
