Onde Estaes Felicidade?

Ao ler os manuscritos de Carolina Maria de Jesus somos imediatamente capturados, e abalados, pela diversidade e amplitude de gêneros e discursos hibridizados, fragmentados e dispersos entre os diversos cadernos, alguns ainda impregnados pelo odor do lixo do qual eram retirados e colocados ao lado dos recicláveis, armazenados no “quarto de despejo”.


Quanto mais lemos esses textos refratados mais desejamos alcançar em nitidez a profundidade dessa escritura rasurada, fraturada, confusa, delirante e envolvente... Essa leitura, porém, não nos acomoda no deleite. Ao contrário, ora nos inquieta com uma língua literária ríspida, doentia, alucinada, revoltada, a começar pelos títulos de suas obras: “Pedaços da fome”, “Quarto de despejo”, “Onde estaes Felicidade?”, “Carta de luto”, “Um Brasil para brasileiros”, “Favela”, “O canto triste”, “A bondade e a maldade”, “Desilusão”, “A mulher diabólica” – além daqueles que, a evocar uma “história menor”, privilegiam uma história para si e para os seus –, ora incorpora a voz do “povo que faltava”, como podemos escutar em “Histórico”, “Minha vida”, “Minha madrinha”, “O Brasil”, “Pensamento”, “Provérbios”, “Diário: história de Carolina”, “O marginal”, “Súplica de mendigo”.
Basta manusear os fólios, lamentavelmente em frangalhos a se desfazerem por entre nossos dedos, dada a materialidade fragílima de alguns manuscritos que foram molhados, outros contaminados por fungos e outros rasgados para, de pronto, já estarmos mergulhados no mundo de desespero e ódio, de sinceridade intrépida, de desejo de criação artística e, sobretudo, de solidão, àquela na qual todos nos reconhecemos, pois alguém que fale dos subterrâneos de sua solidão como bem o faz Carolina de Jesus, fatalmente, fala de todos nós.
Ao longo da leitura de seus originais, fica evidente que a autora mescla gêneros e subgêneros, empreendendo com um cuidado estético autodidata, mas influenciada por consultas aos dicionários e por leituras de revistas, de jornais e dos livros recolhidos do lixo, tais como “Os miseráveis” de Vitor Hugo, um livro de contos de Maupassant, obras e biografias de Edgar Allan Poe e Caryl Chessman, “A cabana do pai Tomás”, de Harriet Beecher, além dos românticos brasileiros e portugueses incansavelmente citados e parafraseados pela autora em seus manuscritos. Mas isto não é o bastante: ávida por saber e pelo desejo de representar e de ser representada em todos os lugares (já que vacilava em um não lugar), Carolina de Jesus fazia leitura, reflexão e crítica, em prosa e poesia, de tudo o que estava a seu alcance, como a escuta das radionovelas, das músicas, das vozes dos vizinhos, dos discursos políticos e religiosos.

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Ao ler os manuscritos de Carolina Maria de Jesus somos imediatamente capturados, e abalados, pela diversidade e amplitude de gêneros e discursos hibridizados, fragmentados e dispersos entre os diversos cadernos, alguns ainda impregnados pelo odor do lixo do qual eram retirados e colocados ao lado dos recicláveis, armazenados no “quarto de despejo”.
Quanto mais lemos esses textos refratados mais desejamos alcançar em nitidez a profundidade dessa escritura rasurada, fraturada, confusa, delirante e envolvente… Essa leitura, porém, não nos acomoda no deleite. Ao contrário, ora nos inquieta com uma língua literária ríspida, doentia, alucinada, revoltada, a começar pelos títulos de suas obras: “Pedaços da fome”, “Quarto de despejo”, “Onde estaes Felicidade?”, “Carta de luto”, “Um Brasil para brasileiros”, “Favela”, “O canto triste”, “A bondade e a maldade”, “Desilusão”, “A mulher diabólica” – além daqueles que, a evocar uma “história menor”, privilegiam uma história para si e para os seus –, ora incorpora a voz do “povo que faltava”, como podemos escutar em “Histórico”, “Minha vida”, “Minha madrinha”, “O Brasil”, “Pensamento”, “Provérbios”, “Diário: história de Carolina”, “O marginal”, “Súplica de mendigo”.
Basta manusear os fólios, lamentavelmente em frangalhos a se desfazerem por entre nossos dedos, dada a materialidade fragílima de alguns manuscritos que foram molhados, outros contaminados por fungos e outros rasgados para, de pronto, já estarmos mergulhados no mundo de desespero e ódio, de sinceridade intrépida, de desejo de criação artística e, sobretudo, de solidão, àquela na qual todos nos reconhecemos, pois alguém que fale dos subterrâneos de sua solidão como bem o faz Carolina de Jesus, fatalmente, fala de todos nós.
Ao longo da leitura de seus originais, fica evidente que a autora mescla gêneros e subgêneros, empreendendo com um cuidado estético autodidata, mas influenciada por consultas aos dicionários e por leituras de revistas, de jornais e dos livros recolhidos do lixo, tais como “Os miseráveis” de Vitor Hugo, um livro de contos de Maupassant, obras e biografias de Edgar Allan Poe e Caryl Chessman, “A cabana do pai Tomás”, de Harriet Beecher, além dos românticos brasileiros e portugueses incansavelmente citados e parafraseados pela autora em seus manuscritos. Mas isto não é o bastante: ávida por saber e pelo desejo de representar e de ser representada em todos os lugares (já que vacilava em um não lugar), Carolina de Jesus fazia leitura, reflexão e crítica, em prosa e poesia, de tudo o que estava a seu alcance, como a escuta das radionovelas, das músicas, das vozes dos vizinhos, dos discursos políticos e religiosos.

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