Amin Maalouf – Samarcanda
Acusado de colocar em causa os códigos mais sagrados do Islão, o poeta persa Omar Khayyam encontra fortuitamente a simpatia do homem que é suposto julgar os seus crimes.
Reconhecendo o seu gênio, o juiz decide poupá-lo e oferece-lhe um pequeno livro em branco, encorajando-o a colocar naquele livro a coleção dos seus pensamentos mais profundos.
Assim começa a combinação perfeita de realidade e ficção que é este livro. Samarcanda abrange séculos de história do Médio Oriente e já foi considerado um dos melhores romances históricos de sempre.
No fundo do Atlântico, há um livro. É a sua história que vou contar.
Talvez lhe conheçais o desenlace; os jornais relataram-no na época, algumas obras mencionaram-no desde então: quando o Titanic se afundou, na noite de 14 para 15 de abril de 912, ao largo da Terra Nova, a mais prestigiosa das vítimas era um livro, um exemplar único de Robaïyat, de Omar Khayyam, sábio persa, poeta, astrônomo.
Deste naufrágio pouco falarei. Outros que não eu pesaram a desgraça em dólares, outros que não eu recensearam devidamente cadáveres e derradeiras palavras.
Seis anos depois, ainda só me obsidia esse ser de carne e de tinta do qual fui, por momentos, indigno depositário. Não fui eu, Benjamin O. Lesage, que o arranquei à sua Ásia natal? Não foi nas minhas bagagens que ele embarcou no Titanic? E o seu percurso milenário, quem o interrompeu senão a arrogância do meu século?
Desde então, o mundo cobriu-se de sangue e de sombra, cada dia mais, e a mim nunca mais a vida me sorriu. Tive de me afastar dos homens para escutar apenas as vozes da recordação e acalentar uma ingênua esperança, uma visão insistente: amanhã, hão de encontrá-lo.
Protegido pelo seu estojo de ouro, emergirá intacto das opacidades marinhas, com o destino enriquecido por uma nova odisseia. Dedos poderão aflorá-lo, abri-lo, engolfar-se nele; olhos cativos seguirão de margem a margem a crônica da sua aventura, descobrirão o poeta, os seus primeiros versos, os seus primeiros inebriamentos, os seus primeiros terrores.
E a seita dos Assassinos. Depois, quedar-se-ão, incrédulos, diante de uma pintura cor de areia e verde-esmeralda. Ela não traz data nem assinatura, nada a não ser estas palavras, fervorosas ou desiludidas: Samarcanda, a mais bela face que a Terra alguma vez virou para o Sol.
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