Era uma sexta-feira, final de tarde quente de março de 2004. Estava descendo as escadarias do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, onde sou professora há mais de trinta anos, quando vi um cartaz anunciando um debate sobre o projeto de reforma universitária com a presença do reitor Aloísio Teixeira e de All Kamel, entre outros convidados. Resolvi assistir ao evento. O salão nobre estava lotado de uma platéia colorida com algumas lideranças de movimentos negros e estudantes de história, filosofia e ciências sociais. Apesar de anunciarem um debate sobre a reforma universitária, os estudantes disseram que iriam discutir as cotas raciais. Fiquei surpresa. Entre os temas discutidos pelos estudantes universitários o racismo não costumava ser ponto de pauta.
All Kamel foi o primeiro a falar, criticando vivamente a política de cotas. O jornalista, que é também cientista social e ex-aluno do IFCS, expôs o seu ponto de susta de um modo muito singular. Não negava o racismo que, em suas palavras, é um mal que atinge a humanidade, mas sustentava que aqui o racismo não é estrutural e o “classismo” é o mal maior.
O debate no ÍFCS foi tão emocional como todos os que se seguiram com diferentes personagens e em diferentes cenários. Sua estrutura, quase ritual, em forma de drama social, mudou pouco nesses últimos anos. Posições contra e a favor das cotas na mesa e, na platéia, um grupo ruidoso que clama pelas cotas raciais e acusa de racistas os que criticam a política.
Acusados de defender os privilégios de uma elite branca que se beneficiou e se beneficia com o racismo, o que na nossa sociedade é crime que envergonha, os críticos da política de cotas raciais ficam acuados. Se isso ocorre com aqueles que estão no meio acadêmico ou em ambientes menos formais, mais ainda com Ali Kamel que, além de cientista social e jornalista, é também um importante executivo de jornalismo das Organizações Globo. Executivos de grandes redes, usualmente, não manifestam suas posições pessoais sobre temas nacionais. Por isso, sua participação no debate público é tão importante para demonstrar que as empresas da mídia são instituições formadas por alguns indivíduos que têm opiniões próprias, uma outra batalha que Ali Kamel vem travando com muitas patrulhas de plantão.
Não Somos Racistas
- Ciências Sociais, Comunicação
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