
O leitor tem, agora, em mãos um livro que traz a tradução para o português de uma das principais gramáticas medievais: o Tractatus de modis significandi seu grammatica speculativa (“Tratado sobre os modos de significar ou gramática especulativa”), de Tomás de Erfurt, resultado de mais de dez anos de pesquisas do professor Alessandro Beccari (Unesp-Assis) sobre o pensamento linguístico medieval.
A tradução – cuidadosa e competente – do texto de Erfurt vem acompanhada de longa introdução que o situa no contexto das gramáticas medievais, revelando suas filiações ideológicas e suas influências sobre os estudos gramaticais que o seguiram.
Exemplar típico dos estudos gramaticais da Baixa Idade Média, período que vai do século XI ao século XV, a Grammatica Speculativa de Tomás de Erfurt, publicada em torno de 1310, é fruto do pensamento escolástico – filosofia que procurou integrar a fé cristã e a razão e que teve em São Tomás de Aquino (1225-1274) seu principal formulador –, embora possa ser mais bem caracterizada como seguidora do pensamento de João Duns Escoto (1266-1308), membro da Ordem Franciscana, teólogo e filósofo também ligado à filosofia escolástica, mas opositor de Tomás de Aquino.
Durante muito tempo (até os anos 1920, segundo Beccari), a Grammatica Speculativa de Erfurt foi atribuída a Duns Escoto e constava entre as obras do filósofo franciscano.
Ao avesso da tradição gramatical, iniciada na Grécia do século II a.C. e continuada até o início da Baixa Idade Média, que dava à gramática uma função basicamente pedagógica, as gramáticas dos especulativos procuravam estabelecer uma teoria capaz de suportar logicamente as afirmações sobre a linguagem.
Enquanto as gramáticas anteriores se dedicavam a determinar os valores fonéticos das letras e das sílabas, estabelecer os paradigmas flexionais das palavras e as possibilidades combinatórias (sintáticas, no fundo) das palavras na composição das orações – sempre com o objetivo de chegar a um ideal de fala/escrita “correta” –, a preocupação dos especulativos era com a significação. Interessava-lhes saber como as expressões linguísticas podiam significar.
As gramáticas dos especulativos, de modo geral, só olhavam para as classes de palavras para investigar a contribuição que as palavras de cada classe davam para o significado da oração.
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