![Sair Da Grande Noite demonstra que - para lá das crises e da destruição que muito afetaram o continente desde as independências - novas sociedades emergem.](https://i0.wp.com/livrandante.com.br/wp-content/uploads/2019/03/sair-da-grande-noite.jpg?resize=205%2C297&ssl=1)
A descolonização africana não terá sido apenas um acidente tumultuoso, um estilhaço à superfície, o sinal de um futuro a subtrair-se?
Em Sair Da Grande Noite, Achille Mbembe demonstra que – para lá das crises e da destruição que muito afetaram o continente desde as independências – novas sociedades emergem, concretizando a sua síntese a partir da reconstituição, da distribuição das diferenças entre si e os outros e da circulação dos homens e das culturas.
Esse universo crioulo, cuja trama intrincada e invariável oscila incessantemente entre uma forma e outra, constitui a base de uma modernidade que o autor qualifica de “afropolitana”.
O colonialismo esteve longe de ser um fio de Ariadne. Uma estátua colossal perante a qual, temerosas ou fascinadas, as multidões se vinham prostrar, o colonialismo paliava, na realidade, um imenso abismo.
Como uma carapaça de metal cravejada de esplêndidas joias, também roçava o Animal e a imundície. Braseiro em fogo lento dispersando por toda a parte os seus anéis de fumo, procurava firmar-se simultaneamente como rito e acontecimento; como palavra, gesto e sabedoria, conto e mito, homicídio e acidente.
É, em parte, graças à sua fantástica capacidade de proliferação e de metamorfose que faz estremecer o presente daqueles que escravizou, infiltrando-se até nos seus sonhos, preenchendo os seus pesadelos mais medonhos, antes de lhes arrebatar lamentos atrozes.
Por sua vez, a colonização não passou de uma tecnologia ou de um simples dispositivo, não passou de ambiguidades. Foi também um complexo, uma trama de certezas, umas mais ilusórias do que outras: a força do falso. Foi certamente um complexo nómada, assumindo também, em muitos aspectos, um caráter fixo e imóvel.
Habituada a vencer sem ter razão, exigiu aos colonizados que mudassem as suas razões de viver e, como se não bastasse, que mudassem também de razão – seres em mutação perpétua.
E foi assim que a Coisa e a sua representação suscitaram a resistência daqueles que viviam sob o seu jugo, provocando simultaneamente insubmissão, medo e sedução e semeando esparsamente algumas insurgências.
Sair Da Grande Noite dedica-se precisamente a essa descolonização, enquanto experiência de emergência e insurreição. Trata-se de uma interrogação sobre a comunidade descolonizada.
Nas condições da época, a insurreição consistiu, em grande parte, numa redistribuição das linguagens, não sendo apenas um caso no qual foi necessário recorrer às armas.
Presos como se estivessem sob o fogo de Paráclito, a diversos níveis, os colonizados, davam por si a falar várias línguas, em vez de uma única.
Nesse sentido, a descolonização representa, na história da nossa modernidade, um grande momento de separação e bifurcação das linguagens. De agora em diante, não há um orador nem mediador únicos.
Não há um mestre sem contramestre. Não há univocidade. Cada um pode exprimir-se na sua própria língua e os destinatários dessas palavras podem recebê-las na sua. Depois de desatados os nós, restará apenas uma imensa linha.
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