Durante quase vinte anos, a epidemia de HIV/Aids nos colocou cara a cara com algumas das dimensões mais básicas, e ao mesmo tempo mais desconhecidas, da existência humana. A Aids trouxe à tona, de maneira nova e assustadora, os fantasmas construídos no imaginário social sobre a sexualidade e a morte, sobre o desfiguramento e o enfraquecimento físico, sobre a vulnerabilidade e o risco visto na cara do outro. Mais do que qualquer outra doença na era moderna, a Aids revelou a nossa relação, ainda não resolvida, com a diferença e os diferentes, relembrando-nos da longa história que sempre vinculou o medo da diferença com a discriminação, o estigma e o preconceito.
Talvez o mais trágico seja que, durante uma boa parte desse período, a Aids demonstrou mais uma vez, com nitidez especial, a nossa capacidade de negação coletiva quando confrontados com o profundo sofrimento de setores já marginalizados em um sistema social organizado na base da opressão, da exploração e da exclusão social e econômica.
Ao mesmo tempo que os primeiros anos da epidemia foram marcados pela negação e pela falta geral de solidariedade, talvez igualmente trágico é que não demorou muito para os oportunistas e os tecnocratas de plantão sentirem o cheiro de money e de se engajarem na construção do que hoje em dia pode ser mais bem descrito como a indústria da Aids. O velho modelo bancário da educação e das políticas sociais (tão bem descrito anos atrás por Paulo Freire) se reproduziu no caso da Aids com a formação de uma geração de gerentes do comportamento humano: “técnicos em HIV/Aids” (como eu vi, em meados da década de 1990, escrito no cartão de visita de um dos bem intencionados interventores que a primeira década da epidemia produziu no Brasil). Foi um campo aberto para os “técnicos”, mas também para os “teóricos” do comportamento humano na academia, e para os “especialistas” nas agências do Primeiro Mundo preocupados em “administrar” a desgraça no Terceiro.
Fazendo Arte Com A Camisinha
- Educação, Psicologia, Saúde
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