Umberto Eco – Os Limites Da Interpretação
Os ensaios coligidos neste livro foram escritos na segunda metade dos anos oitenta. Por versarem todos sobre o mesmo assunto, embora sob diferentes pontos de vista, foram de maneira diversa reamalgamados e sujeitos a ajustamentos, cortes ou acréscimos a fim de evitarem-se as repetições excessivas e favorecerem-se as referências cruzadas.
Na primeira seção, o problema da interpretação é delineado exatamente da maneira como foi levantado durante as últimas décadas no âmbito dos estudos literários.
A segunda seção requer comentário à parte, porque focaliza uma preocupação que me acompanhou ao longo do passado decênio. Trata, à primeira vista, de questões históricas, cabendo mesmo perguntar o que a liga aos temas dos outros ensaios. No ano acadêmico de 1986-1987 ministrei, junto ao Instituto de Disciplinas da Comunicação da Universidade de Bolonha, um curso monográfico sobre semiose hermética, ou seja, sobre a prática interpretativa do mundo e dos textos baseada na individuação das relações de simpatia que unem reciprocamente o micro e o macrocosmo. Para que se possa alimentar a confiança de que o semelhante age simpaticamente sobre o semelhante é mister que uma metafísica e uma física da simpatia universal se apoiem sobre uma semiótica (explícita ou implícita) da semelhança.
Michel Foucault já se ocupara de um paradigma da semelhança em Les mots et les choses, mas sua atenção estava voltada sobretudo para aquele momento-limiar em que o paradigma da semelhança, entre a Renascença e o século XVII, dissolve-se nos paradigmas próprios da ciência moderna. Minha hipótese era historicamente mais abrangente e pretendia pôr em evidência um critério interpretativo cuja sobrevivência eu apontava através dos séculos – como de resto já fora por mim sugerido no ensaio sobre a Epístola XIII de Dante, publicado no livro Dos Espelhos e Outros Ensaios (1985). Esse modo de pensar a que chamo de semiose hermética tomou formas reconhecíveis e documentáveis nos primeiros séculos da era cristã, desenvolveu-se de modo um tanto clandestino no período medieval, triunfou com a descoberta humanística dos escritos herméticos, fundiu-se na corrente mais ampla do hermetismo renascentista e barroco, não desapareceu com a autoafirmação da ciência quantitativa galileana e acabou fecundando as estéticas românticas, o ocultismo oitocentista e, a meu ver, muitas teorias críticas contemporâneas.
