A leitura desta seleção de 22 cartas nos aproxima de duas práticas socioculturais já quase ausentes no século XXI: a correspondência e a direção espiritual. Voltar-se a estes textos breves, que se assentam nesses dois pilares, será transportar-se vinte séculos no passado, para a Roma do século I depois de Cristo. Lucius Annaeus Seneca ou Lúcio Aneo Sêneca, em português, escreveu em latim mais de uma centena de cartas que chegaram até os nossos dias, por vezes, com lacunas.
São cartas destinadas ao amigo Lucílio com o propósito explícito de orientar sua formação espiritual segundo os preceitos e princípios do Estoicismo, uma corrente filosófica que surgiu na Grécia em III a.C. e floresceu em Roma, posteriormente, como uma proposta de prática existencial pautada pela harmonia com a Natureza, entendida aqui como a ordenação harmônica do cosmo.
Sêneca escreve antes da disseminação do Cristianismo, portanto, num cenário pagão, mas é um autor que entende a razão como mentora do mundo – ela é a providência divina – e o homem, enquanto microcosmo, participa dessa razão e tem sua providência pessoal. Na carta 58, parágrafo 29, que integra esta seleção, Sêneca afirma:
Illud simul cogitemus, si mundum ipsum, non minus mortalem quam nos sumus, providentia periculis eximit, posse aliquatenus nostra quoque providentia longiorem prorogari huic corpusculo moram, si voluptates, quibus pars maior perit, potuerimus regere et coercere.
Ao mesmo tempo, pensemos sobre isto: se o próprio mundo, não menos mortal do que nós, a providência exime dos perigos, até certo ponto também pode ser prolongada a duração deste corpo débil pela providência de cada um de nós, se formos capazes de governar e dominar nossos prazeres, devido aos quais a maior parte perece.
Essa autonomia da razão que Sêneca atribui ao ser humano é um traço de sua obra literária que o aproxima da nossa realidade centrada no “eu”, mas há também força retórica na sua produção de diálogos filosóficos e peças teatrais, com jogos de palavras e frases de efeito, as chamadas sententiae. Tudo isso faz dele um autor atual. Seus textos e estudos sobre esses textos têm se multiplicado recentemente no mercado editorial, em particular de língua inglesa.
Edificar-se Para A Morte
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