
É nesta Fazenda de conto que Ruy Póvoas vai fazendo de conta que os fatos aconteceram, fatos de gente sem nome e sem rosto. Em seu décimo livro, o autor mostra todo o seu apuro em lavrar o chão da literatura e colher histórias que nenhuma vassoura de bruxa poderá dizimar. Aqui o ciclo da literatura do cacau está cada vez mais produtivo.
O que ficou após a vassoura de bruxa? Acabou o ciclo da literatura do cacau? Quais os arquétipos de agora, logo que o coronel, o jagunço e a mata se dissolveram?
Nomes consagrados foram-se para sempre, outros tantos se aposentaram da arte de contar, sob forma de ficção, as glórias, os pesadelos e os padecimentos da desistência de nossa gente.
E a interrogação continua persistindo. Então, por que não tentar sentir isso mais profundamente?
Dizem por aí que é preciso voltar para casa, a fim de sofrer, e sofrer, e sofrer até não mais poder, na busca, até detectarmos as imagens arquetípicas que estão a nos desafiar. Não que elas sejam invisíveis.
Muito pelo contrário: de tanto conviver com elas já não podemos enxergá-las. E após nos apossarmos delas, uma luta maior há de começar: o padecimento na lida com o idioma. Transpiração em doses altíssimas e um poucod e intuição. Será esse o melhor caminho?
É bem verdade que tal caminho é traiçoeiro, pois quem o percorre está sujeito ao risco de cair nos abismos parnasianos. Não se deve esquecer que já se constituiu uma receita parnasiana, hoje tida como superada:
Longe do estéril turbilhão da rua,
Beneditino, escreve! No aconchego
Do claustro, na paciência e no sossego,
Trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!
Por que não se aproximar do turbilhão da rua? Não será ele adubo que fertiliza a intuição? Por que não romper o sossego do claustro e se permitir o desassossego do contato e da descoberta do pertencimento?
É verdade, também, que ainda é necessária a adesão ao último verso do quarteto. Continua sendo válida a sentença bíblica “Comerás o pão com o suor do teu rosto”, muito embora haja tanta gente que come caviar com o suor do rosto alheio ou se deleita com o sangue da nação. Não será essa também uma imagem arquetípica?
Tais indagações me levaram a gerenciar esta Fazenda de conto. Nela, Fazendo de conta que os fatos aconteceram, arrebanho algumas novas imagens arquetípicas. Não sou o autor delas.
Foram elaboradas por gente sem nome, sem rosto e até sem chão, mas com os olhos voltados para dentro de si mesma, pois do lado de fora não há mais a sombra do cacaual, que era considerada, pelos pobres e pelos ricos, a grande mãe que protegia os grapiúnas.
