No famoso parágrafo inicial de O sono eterno, Philip Marlowe surge pela primeira vez diante do leitor, “limpo, impecável” e batendo à porta de quatro milhões de dólares.

Essa abertura reflete talvez o otimismo de Chandler ao fazer de seu primeiro romance a primeira aventura de um novo detetive, após vários detetives-teste, heróis dos numerosos contos que publicou nos pulp magazines da época. Marlowe é um investigador diferente, tanto capaz de dar socos quanto de identificar corretamente a personalidade do antagonista. Um detetive que joga xadrez e que conhece literatura, embora tenha sempre engatilhada uma ironia contra os esnobes do mundo literário. Capaz de espancar brutalmente um gângster e de ceder a pequenas nuances de emoção nas mulheres. Atraente para elas, que parecem determinadas a jogá-lo em situações equívocas para ver como ele se comporta.
Anos depois, quando Chandler entregou o manuscrito do seu penúltimo romance, O longo adeus, amigos do mundo editorial queixaram-se de que Marlowe estava muito sério, quase religioso em suas preocupações morais. Sentiam falta, certamente, deste Marlowe que apareceu em O sono eterno, com uma espécie mordaz de humor autodepreciativo, um orgulho meio casmurro, um desprezo pelos desonestos ou covardes, uma apreciação franca das qualidades de um indivíduo mesmo quando os dois estão em situações de antagonismo. Marlowe é irônico com seus adversários, é ácido nas críticas que murmura contra o mundo enquanto narra a história; mas também reserva para si mesmo um curto-circuito de desdém, ao zombar da própria inteligência ou arrepender-se quando lhe vem à mente uma frase de mau gosto.
Em fevereiro de 1939, quando O sono eterno foi para as livrarias, o editor Alfred Knopf, grande admirador de Chandler, fez um anúncio que dizia: “Em 1929, Dashiell Hammett — Em 1934, James M. Cain — Em 1939, Raymond Chandler”. Cain tinha sido lançado pelo próprio Knopf, com seu romance O destino bate à sua porta, e ele confiava que Chandler teria o mesmo sucesso.