O afeto que se encerra é um ajuste de contas com os leitores, com o Rio, com o Brasil e com ele mesmo. Paulo Francis o publicou em 1980, aos 50 anos. O livro tem vigor, não é obra de um memorialista de século XVIII, retirado em um sítio a registrar o pacote de banalidades que foi sua vida. Longe da monotonia do saudosismo e das reparações, Francis abre uma frente de batalha, mostrando que a infância e adolescência de um carioca de classe média em Copacabana, mesmo nos anos 30 e 40, não era o que contam as lendas.
Ele avança para seus 20 anos e lembra como descobriu o Brasil em 1951, na excursão do Teatro do Estudante de Paschoal Carlos Magno ao norte/nordeste.
“Pela primeira vez vi o Brasil, vi a nu o crime secular de uma classe dirigente que em crueldade conhece poucos paralelos, que se esconde em falsa afabilidade e patriotismo, aqui não o último, mas o primeiro e único refúgio dos velhacos”. Estava localizado o inimigo e, nos 40 anos seguintes, Francis vai se tornar o jornalista mais conhecido, lido e discutido do Brasil.
No livro, os tempos se alternam como num solo de jazz. Há um tema principal, a vida do autor, e as variações, na forma de reflexão, informações laterais e propostas. A base destas últimas é a experiência, primeira e única, com o Brasil pobre. “Nunca imaginei que existisse algo igual na terra”, diz, sobre a época. Continuou achando isto, mas não acreditava mais que a elite brasileira, pública ou privada, nem a esquerda, tivessem um projeto para o Brasil. Esta desilusão com as elites brasileiras não o torna um pessimista crônico. Sempre, em qualquer um de seus livros, um humor peculiar distribuirá sarcasmo e ironia ao redor. Na última linha do livro: “Ainda que sozinho continuarei assim, mas sei que estou muito bem acompanhado”.