O regime militar, instaurado pelo golpe de 1964, marcou-se pela contínua repressão aos adversários políticos do governo. Para conferir legitimidade às ações persecutórias do Estado brasileiro de então, criou-se um robusto aparato jurídico, que sofreu constantes aperfeiçoamentos em prol do regime, sobretudo com a adoção do AI-5 em 13 de dezembro de 1968 que, dentre outras medidas, suspendeu a garantia do habeas corpus para os casos de crimes políticos, contra a segurança nacional, a ordem econômica e social e a economia popular.
Em meio a esse contexto, de regras cada vez mais voltadas à desmobilização de grupos políticos rivais e da sociedade civil em geral, muitos advogados e advogadas defenderam opositores políticos do regime militar que nominalmente vigeu no Brasil entre 1964 a 1985.
Esses profissionais do direito tinham a difícil missão de fazer uso do próprio aparato jurídico do regime militar nas defesas de seus clientes. As perguntas que guiaram a investigação resultante neste livro foram: em um cenário jurídico de tal maneira desfavorável, como os advogados e advogadas faziam uso do direito para defender os interesses dos adversários políticos do regime? Quais instrumentos jurídicos eram utilizados na ausência do habeas corpus? Como manter-se na profissão numa área da advocacia que parecia pouco rentável e arriscada?
Zelo, probidade e independência, valores fundamentais a que o advogado deve se pautar, deveriam estar lado a lado de certa dose de criatividade e domínio das habilidades técnicas. A edição dos Atos Institucionais, Atos Complementares e Decretos Reservados (ou Secretos), cuja natureza normativa e conteúdo regulado eram novidade no meio jurídico brasileiro, requeria ainda mais agudez e ponderação por parte dos advogados e advogadas. Relatar, nos ambientes forenses, as violências e arbitrariedades cometidas contra os seus clientes, exigia firmeza e, acima de tudo, coragem.
A supressão do habeas corpus para crimes políticos pelo AI-5 tornou a rotina desses profissionais mais dificultosa. Usado para afastar ilegalidades no cerceamento do direito de ir e vir, qualquer prisão que fugisse dos parâmetros legais não teria instrumento jurídico correspondente para coibi-la. Sem essa ferramenta, advogados e advogadas, segundo relatam as entrevistas, adotavam expedientes inominados que, se funcionassem, levavam a resultados práticos semelhantes. Em suma: contornavam óbices processuais de maneira inventiva, garantindo proteção jurídica mesmo àqueles a quem as leis da ditadura militar mais queriam perseguir do que proteger.
Advocacia Em Tempos Difíceis: Ditadura Militar (1964-1985)
- Ciências Sociais, Direito, História
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