
Esta reedição em português do estudo Sobre os Botocudos das Províncias Brasileiras do Espírito Santo e Minas Gerais, de Paul Ehreinreich, publicado em 1887 pela Revista da Sociedade Berlinense de Antropologia, Etnologia e História Primitiva, vem preencher uma enorme lacuna da história do Espírito Santo.
Até os dias atuais, tem sido imenso o esforço de antropólogos e historiadores para fazer inserir os Botocudos no contexto do conhecimento da história internacional, nacional e regional.
Mais especificamente os historiadores têm uma tarefa hercúlea, segundo Vânia M. L. Moreira: superar a visão europeia sobre o Brasil, que considerava que os índios não eram objeto da história, apenas da etnografia.
Para Moreira, a historiografia dos Oitocentos concebia os indígenas “muito mais como obstáculos que infestavam as matas e sertões, impedindo o avanço da civilização do que como personagens da história pátria.”
Assim, e de modo geral, o conhecimento que temos sobre os índios do Brasil, mais especificamente sobre os Botocudos, é repleto de desconhecimento e desinformação. A literatura indianista, por sua vez, contribuía para a (des)construção do imaginário nacional, ao contrapor os Botocudos (Tapuias ou Aimorés) aos Tupis na história da colônia.
Vejamos o que comenta Manuela Carneiro da Cunha a respeito de O Guarani, de José de Alencar: “Peri, um guarani, salva a donzela Ceci e seu pai do ataque dos tapuias.” Vale lembrar que a nacionalidade brasileira, no tocante à questão indígena, está referenciada nos Tupis-guaranis.
Os Botocudos, índios ferozes sob o olhar do colonizador, são realçados como o inimigo, contra quem D. João VI declara uma guerra ofensiva. Nesse contexto, no interior dos discursos políticos, técnicos e literários fazia-se presente a essência do pensamento do processo civilizatório, tal como refletido e estruturado pela sociedade europeia à época.
Desse modo, consistia uma questão central do debate colonizador a possibilidade da humanidade dos índios – e, portanto, se poderiam ser civilizados, ou seja, incluídos na sociedade.
Esse debate opôs, de um lado, aqueles que defendiam a brandura, a persuasão na atração dos índios, a exemplo de José Bonifácio, e, de outro, aqueles que estimulavam o uso da violência, como E. Varhangen.
Contudo, um fato essencial a promover esse processo estava além, e simultaneamente subliminar, ao discurso ideológico: a questão das terras. Em Minas Gerais e Espírito Santo o roteiro da expansão econômica exigia a descoberta de novas rotas fluviais, e, em consequência, a submissão dos índios da região.
