Os territórios das cidades brasileiras particularizam desigualdades que possuem raízes históricas no processo de acumulação da riqueza e de partilha desigual da renda e dos bens produzidos socialmente. A condição de rua revela a desigualdade estrutural e também outros processos de vulnerabilidade social, o que torna o fenômeno complexo.
Diante da “crise social”, da banalização da vida, da violência, da desesperança, da criminalização dos pobres, do preconceito, da indiferença, da coisificação das pessoas, o que se coloca é a urgência de práticas e processos transformadores, que ancorem os sujeitos num projeto de felicidade, de vidas ressignificadas e reconduzidas com protagonismo individual e coletivo.
O projeto Re-Tratos tem o mérito de reconhecer a condição de rua em sua complexidade; compreender a população de rua como protagonista, como sujeitos de direitos, visibilizados pela ressignificação de seus cotidianos, pela reprogramação do dia a dia. As histórias de vida e os significados atribuídos pelos participantes revelam a sutileza e a beleza da iniciativa coordenada pela Secretaria Municipal de Saúde, Departamento de Saúde Mental.
Mas o grande mérito do projeto Re-Tratos é ter oferecido a oportunidade aos próprios sujeitos de se retratarem conforme suas próprias perspectivas, desejos e vontades, pois a grande maioria dos ensaios fotográficos dessa natureza, embora bem intencionados, deixam a desejar em termos de autenticidade no que se refere ao olhar sobre o outro.
Nesse sentido, ainda que se pretenda um olhar mais sensível, visando tirar essas pessoas da invisibilidade, os ensaios fotográficos que não consideram o olhar dos próprios sujeitos envolvidos sobre si mesmos e a sua realidade findam simplesmente por reproduzir a mesma lógica que fundamenta a indiferença da sociedade, a saber, a redução do outro a um objeto de análise.