
Embora, nesta obra, as autoras tenham tido a preocupação de informar que não têm como finalidade questionar as teorias da criatividade, que teriam sido validadas por critérios consistentes, podemos pensar esse texto como uma abertura epistemológica para uma área que tem sido perigosamente fossilizada por uma tradição psicométrica cujos limites têm sido questionados há bastante tempo.
Criatividade é um conceito relativamente recente na cultura ocidental. Não aparece nos textos e fragmentos de textos de culturas antigas, nem mesmo entre os gregos. O termo em grego antigo mais utilizado no que concerne à criação era poiein, vinculado mais ao fazer.
O radical poie forma as palavras poiesis, um substantivo associado ao “ato de fazer” e poietes, que designa aquele que faz ou é o “fazedor”. Esses termos acabaram por designar também o fazer do artesão das palavras ou poeta.
O produto desse fazer, a poiesis, tornou-se poesia. O ato de criação, na forma de expressão artística, aparece no texto platônico e, de modo ainda mais bem desenvolvido, no texto aristotélico como mimesis.
Esse conceito, vinculado à noção de imitação, mas no sentido de ação por semelhança, fundamentava e explicava a criação de obras de arte.
Como o próprio Platão escreve em A República, obras de arte são imitações da realidade. Correspondem ao mundo ideal, extrapolam o mundo físico, no contexto do conceito de kalogatias, que articula os conceitos de beleza, verdade e bondade, os quais formam a estrutura arquetípica da estética grega antiga, e que molda o próprio ideal de homem grego (a mulher não era constitutiva nesse discurso fortemente patriarcal).
Em suma, o mundo grego não trabalhava com a noção de criação e sim com a de imitação.
No mundo ocidental, o conceito de criatividade surge no contexto do desenvolvimento do cristianismo, vinculado ao conceito de criação, que deriva da narrativa bíblica no Livro do Gênesis.
Na tradição judaico-cristã, a criatividade e o ato de criar eram exclusividades divinas. A criação no contexto humano ocorria somente como mediação da expressão de Deus.
Em outras palavras, Deus mediava a criação humana, assim como na tradição grega as musas mediavam a inspiração dos deuses. A mediação do sagrado e do divino aparece ainda de modo forte na tradição grega como daemo e na tradição latina como genius.
