O Carnaval Dos Animais
– Os contos de Moacyr Scliar usam como ponto de partida sugestões provenientes do cotidiano e próximas das vivências do escritor e do leitor. O cenário da maioria das histórias é Porto Alegre, e as características conhecidas do espaço conferem natureza verista às narrativas.
Narrando sua biografia literária num número especial e já histórico da revista Status, dedicada ao conto brasileiro da década de 70, Moacyr Scliar assim relembrou o aparecimento de seu primeiro texto, evento que teve conotações sobrenaturais:
Na sessão inaugural de um congresso médico, eu, de terno e gravata, assistia enlevado a um discurso, quando, de repente, comecei a suar. O colarinho me pareceu subitamente apertado, tentei afrouxá-lo, mas os dedos não me obedeciam, se alongavam (horror) como garras (até peludas, creio!) e, quando vi, minha mão direita empunhava uma caneta esferográfica! Tomado de um impulso irresistível corri para uma sala reservada, e lá, em meio a convulsões espantosas, escrevi Um Conto. Ao colocar o Fim, as coisas voltaram ao normal e pude retornar ao salão de festas, onde minha ausência não tinha sequer sido notada.
Nessa declaração, o ficcionista está, aparentemente, fazendo blague; outro artigo da mesma época adota enfoque mais sério, sem deixar, entretanto, de confirmar a noção de estranheza referida antes. Esta estranheza, segundo o autor, é originária da condição que viveu e que trata de descrever nesse trabalho: o fato de ter morado no Bom Fim que “naquela época (na sua infância) era um bairro de pequenas casas, povoado por famílias de artesãos, de pequenos comerciantes, gente que já transava razoavelmente com porto-alegrenses — mas que, no fundo, ainda eram imigrantes”. (Caderno de Sábado, 19 de junho de 1976) E o imigrante é em princípio um homem estranho à terra local na sua luta pela adaptação, o que o faz eminentemente um observador:
Ele espia e expia. E aí — no olhar — está o primeiro poder do estranho. Ele vê coisas que os outros não vêem. Olho arguto, olho mágico, enxerga poros nas superfícies lisas, minúsculas fissuras nos revestimentos. O estranho, até então frio e vazio como um ventre de larva, é agora um olho — enigmático, brilhante como uma brasa na escuridão.
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