
A Cidade-Atração investiga os programas e projetos que, a partir dos anos 1990, incorporaram o patrimônio de cidades brasileiras como um ativo urbano destinado a contribuir para a transformação de quadros de desvalorização econômica e de uso e apropriação popular.
A cidade-atração, objeto do presente livro, busca analisar esse processo a partir das questões relativas ao patrimônio em 3 cidades brasileiras: Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo.
Trata-se de compreender os sentidos subjacentes à proliferação, banalização e funcionalização da ideia e da prática patrimoniais que invadiram as cidades – no mundo e no Brasil – e se intensificaram a partir da última década do século XX, sobretudo concentradas nas áreas centrais das cidades.
Encadeando com a reflexão teórica desenvolvida em seu trabalho anterior, Da Cidade-Monumento à Cidade-Documento, obra publicada em 2014, Márcia Sant’Anna compreende essa generalização da lógica patrimonial como a plenitude de sua vigência enquanto dispositivo de poder, agora alimentado essencialmente por sua função econômica.
Assim, ao alegre consumo da urbanidade contemporânea, festejado por aparatos midiáticos, governamentais e corporativos, contrapõe-se aqui uma análise rigorosa de vínculos, lógicas, articulações e hierarquias que moldam a compreensão de uma forma dominante de produzir patrimônio – a cidade-atração –, cada vez mais distanciada de sentidos sociais e culturais mais amplos e inclusivos.
Para realizar seu intento, a autora se utiliza da conceituação foucaultiana de dispositivos e de sua tradução/explicitação em normas, assim como da formulação deleuziana dos regimes de visibilidade.
A isso se soma tanto um percurso cuidadoso sobre a literatura que trata dos temas do patrimônio e da dinâmica urbana quanto um extenso e rico trabalho de levantamento e sistematização de dados sobre as três cidades escolhidas para análise e sobre os programas nacionais de financiamento a ações de preservação/requalificação.
A cidade-atração, a meu ver, pode ser entendida como uma relevante contribuição ao estudo das políticas de preservação, assim como dos processos patrimoniais em curso nas metrópoles brasileiras, teórica e empiricamente falando.
Isso é tão mais importante quanto se generaliza atualmente uma certa idealização e extensão da ideia de patrimônio, que tende a substituir in tótum a complexidade dos embates sociopolíticos na produção do espaço.
