Facetas Do Repórter: Narrador E Narrado
– Podemos olhar o trabalho de reportar pelo verso e pelo reverso, porque desde há muito o repórter se tornou ele próprio uma personagem que outras histórias passaram a narrar. Em bases verídicas ou ficcionais, a sua figura tem sido muitas vezes alvo de fascínio no cinema e na literatura, ao mesmo tempo que é desmistificada ou satirizada. Foi usado como inspirador, como anti-herói, como cínico, às vezes como mero recurso narrativo.
Que figura é esta, que conta e é contada, e como conta ela o quê, e de que forma outros têm vindo a contá-la?
Facetas Do Repórter é uma tentativa coletiva de pensar o repórter e a reportagem sob este duplo ângulo narrativo, observando e discutindo o jornalista ora enquanto sujeito, ora enquanto objeto, facetas que se unem precisamente na ideia comum de narração, de história e personagens.
São mil as caras da reportagem e pelos seus meandros corre a história de uma figura ambivalente, mítica ou comezinha, nobre ou venal, recente ou milenar.
Há quem veja no repórter uma invenção moderna – um dos acontecimentos mais importantes da civilização americana, escreveu Robert Park há cerca de um século –, mas também há quem veja nele um ofício de observar, escutar e contar tão antigo como Heródoto e Tucídides.
Do repórter pode enaltecer-se os trabalhos de investigação que revelam e explicam os temas importantes do seu tempo, mas é igualmente possível sublinhar o rotineiro ofício de captar uma miríade de pequenos casos que constituem a matéria miúda e quotidiana de órgãos de informação, fait-divers que por vezes acabam por revelar um duradouro fundo sociológico. A propósito do repórter, pode discutir-se as velhas querelas da interpretação e da objetividade, e a oposição entre a atitude do jornalista com laivos de auteur e a do narrador discreto que se apaga para realçar o que mostra.
Em Facetas Do Repórter andamos mais perto daquela linha que, dentro dos estudos sobre jornalismo, desde há um século prefere olhar os textos jornalísticos também como formas culturais e não apenas como objetos produzidos e transmitidos numa lógica de emissão e recepção, de canal e efeitos. De fato, Park sugeria que as news stories da imprensa noticiosa substituem, na sua função simbólica, as lendas e as histórias reais das revistas populares que precederam o jornal moderno. “As histórias das notícias e as histórias da ficção são duas formas da moderna literatura e elas chegaram hoje a um tal ponto de semelhança que, por vezes, se torna difícil distingui-las”.