Futebol não é mais esporte, futebol deixou de ser só diversão. Futebol, no Brasil, é uma janela para o infinito. Através dele, é possível entender um pouco a nossa sociedade, nossas pulsões, nossos afetos e desafetos, a forma como nos relacionamos com o outro. Futebol tem tudo disso.
Nada mais natural, portanto, que nossa melhor literatura – prosa, poesia, ficção, ensaio – contenha passagens e depoimentos que atestem a força desse esporte em nossas vidas.
Foi o que esta seleção de textos buscou privilegiar. São ensaios, crônicas, artigos, poemas – tudo falando da bola, do craque, das quatro linhas, da multidão ululante nos estádios. Da potência dramática, enfim, que só o futebol parece alimentar em nossos dias.
Autores já clássicos das nossas letras como Otto Lara Resende, Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, e nomes decisivos das últimas décadas como Tostão (craque no campo e no texto), José Miguel Wisnik e outros foram convocados para esta antologia. O resultado? Lances inesquecíveis da maior inteligência, graça e delicadeza sobre o bate-bola. Um escrete de sonhos. Um time de craques. Um jogo vencido pelos melhores da literatura.
Nos onze jogadores em campo, ora mais tutelados ora mais rebeldes ao comando do pai, desenha-se segundo Verdú uma árvore familiar agropastoril que o futebol moderno e “total” não apagou completamente. No ataque estaria a função masculina por excelência do caçador, nas figuras ímpares dos pontas culminando no centroavante. Na defesa, as funções mais “femininas” do cultivo e da esfera doméstica, a chamada “cozinha”, que culmina no goleiro. De Castilho, que tinha fama de sortudo, dizia-se que “tinha aberto a leiteria”, menção difusa a um signo materno, e a própria expressão “frango”, que designa o gol resultante de uma tentativa desastrada de defesa do goleiro perseguindo uma bola inofensiva e irrequieta como um galináceo, participa do universo do quintal e da casa. O goleiro estaria, assim, ligado ao paradigma do feminino, por seu vínculo inalienável com o espaço-tabu do gol, “órgão feminino”, pelo uso precípuo das mãos e por seu confronto com o aríete do atacante, no qual se pede dele “a inquebrantável firmeza de uma mãe virtuosa” que faça que “seu marco permaneça virgem e que por mais tempo que o inimigo acosse seu domínio seja estéril”.