
As encruzilhadas são o loci da comunicação e da cultura. Através de suas vias bifurcadas e entroncadas, andamos a esmo ou somos conduzidos pelos canais abertos, interditos e avançados de uma cidade que é sempre, como articula Ítalo Calvino, uma obra do espírito ou do acaso.
De suas muralhas, jardins, nomes emplacados de ruas e avenidas, imensos arranha-céus e amplos condomínios – como resultado de novas tecnologias contemporâneas ou como reminiscências de um mundo antigo e esquecido – nos são lançados inúmeros questionamentos de onde margeamos e cruzamos uma floresta de signos que nos pedem atenção.
Deste intercurso, vamos sendo transportados para a narrativa fílmica de Edyala Yglesias, No Coração de Shirley, como uma rede de símbolos que fia e traça nos novos os velhos caminhos, como espelhos ante espelhos, labirínticos e covalentes, cujos fragmentos montam um conjunto de imagens que nos estimula e incomoda.
Os entrecruzamentos entre a cidade,o gênero e o corpo, no cinema baiano, são as nossas principais encruzilhadas, como uma via produtiva para chegar ao coração de Shirley.
O coração é o grande circuito por onde se entrecruzam as metáforas que inserem o mundo convulso das personagens e exibem, alegoricamente, as novas centralidades urbanas e contemporâneas.
Na incorporação desses cruzamentos, assistimos ao efeito, quase pulsional, com que as culturas artísticas da atualidade têm intercedido à figura emblemática da trans, como uma tentativa de escamotear as definições de identidade e gênero.
Encruzilhadas No Coração De Shirley, seguindo os rastros do filme de Edyala Iglesias, forma-se a partir da cidade “real”, onde os corpos da prostituta e da travesti encenam suas vidas.
Situando tempo e lugar, as duas narrativas se inscrevem em um acontecimento histórico – a morte violenta da travesti Luana, espancada e jogada ao mar por policiais em uma madrugada de agosto de 1998 – para mostrar como a cidade impõe espaços de invisibilidade aos diferentes, tornando-os habitantes indesejáveis, que devem ser anulados.
